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    Problema lógico da encarnação

    No Natal celebra-se a encarnação. Mas será essa uma doutrina logicamente consistente? O problema lógico da encarnação surge da constatação de que o seguinte conjunto de proposições é inconsistente:

    1. Tudo o que é Deus é perfeito.
    2. Nenhum humano é perfeito.
    3. Cristo é Deus e humano.

    Nesse conjunto, em vez do predicado “perfeito,” pode-se utilizar os predicados “impassível,” “imutável,” “imaterial,” “omnipotente,” “omnisciente,” etc. Podemos ver a inconsistência desse conjunto ao formalizarmos essas proposições na lógica de predicados de primeira ordem. Interpretando “Dx” como x é Deus, “Hx” como x é humano, e “c” como Cristo, temos a seguinte formalização:

    1. ∀x(Dx→Px)
    2. ¬∃x(Hx∧Px)
    3. (Dc∧Hc)

    Este conjunto é inconsistente, dado que essas três proposições não podem ser simultaneamente verdadeiras. Pelo contrário, se aceitarmos duas delas como verdadeiras, a outra terá de ser falsa. Por exemplo, se aceitarmos as duas primeiras proposições, temos de negar a terceira de forma a termos um conjunto consistente. Aliás, se tivermos como premissas 4 e 5, podemos concluir validamente que não é verdade que Jesus Cristo é Deus e humano e, dessa forma, a doutrina da encarnação é falsa. Ou seja, é uma consequência lógica de 4 e 5 a falsidade da doutrina da encarnação: ¬(Dc∧Hc).

    Como resolver este problema? Se não se quiser adotar uma lógica paraconsistente, uma solução possível é defender que a formalização correta de 3 não é 6. Aceitando-se a tese da identidade relativa, advogada pelo filósofo Peter Geach, pode-se sustentar que coisas podem ser as mesmas relativamente a um tipo de coisa, mas distintas relativamente a outro tipo de coisa. Assim, pode-se alegar que Cristo é a mesma pessoa que o Cristo humano e o Cristo divino, mas estes não são seres idênticos. Ou seja, a encarnação apresenta-nos com um pluralidade de seres que são a mesma pessoa; nomeadamente há duas substâncias ou seres distintos: o totalmente divino Filho de Deus e o totalmente humano filho da Virgem Maria que são a mesma pessoa, Jesus Cristo. Por outras palavras, embora o Filho de Deus não seja da mesma substância que o filho da Virgem Maria (e, por isso, podem ter propriedades diferentes e contrárias), são ainda assim a mesma pessoa (o mesmo “eu” ou “tu” ou “ele”). Por isso, a proposição 3 deve ser lida como atribuindo uma propriedade à pessoa de Cristo que envolve atribuir essa propriedade a alguém que é pessoalmente idêntico (mas não substancialmente idêntico) com o Filho de Deus e também com o filho da Virgem Maria. Assim, sendo “Fx” a abreviatura para x é Filho de Deus, “Mx” a abreviatura para x é filho da Virgem Maria, e “Sxy” a abreviatura para x é a mesma pessoa que y, a proposição 3 (tal como proposto por Peter van Inwagen) é formalizada desta forma:

    1. ∃x[∃y(Fy∧Sxy)∧∃y(My∧Sxy)∧Hx]∧∃x[∃y(Fy∧Sxy)∧∃y(My∧Sxy)∧Dx]

    Em 7 pretende-se captar a ideia de que o Filho de Deus é a mesma pessoa (ou seja, Jesus Cristo) que o Filho da Virgem Maria, embora não a mesma substância. Mais especificamente diz-se que é simultaneamente o caso que, alguma coisa x é tal que: alguma coisa que é Filho de Deus é a mesma pessoa que x, e alguma coisa que é Filho da Virgem Maria é a mesma pessoa que x, e x é humano; bem como alguma coisa x é tal que: alguma coisa que é Filho de Deus é a mesma pessoa que x, e alguma coisa que é Filho da Virgem Maria é a mesma pessoa que x, e x é Deus. Nesta leitura, se x é a mesma pessoa que y, e x tem a propriedade ϕ, não se segue que ytem ϕ. Por isso, pelo facto do Filho de Deus ter a propriedade da omnisciência ou da perfeição, daí não se segue que o Filho da Virgem Maria tenha tais propriedades (embora sejam a mesma pessoa). Ora, se juntarmos as proposições 4, 5, e 7 já não obtemos um conjunto inconsistente. No máximo o que podemos concluir é que Cristo é perfeito qua Deus e Cristo não é perfeito qua Humano. Por isso, pode-se pelo menos defender, do ponto de vista lógico, que a doutrina da encarnação é coerente. Mas esta solução tem os seus custos: em primeiro lugar envolve a rejeição da Lei de Leibniz de que se x=y, então para qualquer propriedade ϕ, x é ϕ se, e só se, y é ϕ. Em segundo lugar, parece ser difícil dar sentido metafísico para a ideia de que é possível x ser a mesma pessoa que y mas não a mesma substância. Feliz Natal!

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    Argumento cético sobre a perceção

    perceção é o processo pelo qual adquirimos informação acerca do mundo usando os nossos cinco sentidos. Além disso, todo o nosso conhecimento empírico está fundamentado em como vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos e provamos o mundo à nossa volta. Mas estamos justificados nas nossas crenças percetivas? Por exemplo, quando percecionamos um objeto físico, como podemos saber que estamos realmente a percecioná-lo, e não a alucinar ou sonhar, nem a ser vítimas de uma matrix ou de génio maligno? Sendo o ‘mundo exterior’ tudo o que não faz parte dos nossos conteúdos mentais, será que a perceção nos poderá dar conhecimento ou crenças justificadas sobre o mundo exterior (sobre coisas fora de nós mesmos)? Se não, porquê? Se sim, de que forma?

    Pode-se construir um argumento cético sobre a perceção com o objetivo de mostrar que as nossas crenças percetivas não são justificadas. Versões deste argumento aparecem, p.e., nas Meditações de Descartes. Esse argumento introduz algum tipo de hipóteses céticas (HC). Como exemplos de HC temos os cenários do Sonho, Génio Maligno (de Descartes), Cérebro numa Cuba (de Putnam), etc. Estas HC são cenários em que o sujeito está radicalmente enganado acerca do mundo exterior, mas mesmo assim a sua experiência percetiva do mundo exterior é exatamente como seria caso não fosse radicalmente enganado. Tendo em conta as várias HC, as nossas experiências percetivas do mundo exterior são ou podem ser qualitativamente indistinguíveis daquelas de um observador normal. Mas, se isso é o caso, com que base podemos distinguir uma experiência genuína do mundo exterior de uma experiência ilusória?

    As HC chamam a nossa atenção para uma distinção crucial entre aparência e realidade: como as coisas nos parecem percetivamente não é necessariamente como as coisas são realmente. Ou seja, as coisas podem parecer iguais, embora realmente sejam diferentes. Assim, se sabemos alguma coisa sobre o mundo exterior, esse conhecimento deve ser indireto. Pois, o que está diante de mim não é o próprio mundo, mas apenas essas experiências percetivas. Assim, sabemos e temos crenças justificadas sobre o mundo exterior só se sabemos e estamos justificados sobre essas nossas experiências percetivas. Mas será que temos justificação para isso? Formulemos o argumento cético passo-a-passo.

    No primeiro passo do argumento apela-se ao princípio de acesso indireto. Ou seja, há um “véu de perceção” entre nós e os objetos externos. Assim, não temos um acesso direto ao mundo, mas sim um acesso que é mediado pelas experiências sensoriais (também designadas como “perceções” ou “ideias”). O caráter dessas experiências pode depender de vários tipos de fatores, como as condições dos órgãos dos sentidos, estimulação direta do cérebro, etc).Dessa forma, nada está diretamente presente à mente na perceção, exceto as experiências percetivas. Esta tese é defendida, por exemplo, por David HumeJohn Locke, e Descartes.

    Hume argumenta (no livro Investigações sobre o Entendimento Humano, p.118) que não podemos confundir a perceção de um objeto com esse objeto. Por exemplo, a perceção de uma árvore e a própria árvore não são a mesma coisa. O argumento de Hume pode resumir-se desta forma: se a perceção de uma árvore e a própria árvore são a mesma coisa, então o seu tamanho não se altera em função da nossa perspetiva. Mas o seu tamanho altera-se em função da nossa perspetiva. Logo, a perceção de uma árvore e a própria árvore não são a mesma coisa.

    De forma semelhante, Locke (no livro An Essay Concerning Human Understanding, 2.8.8) defende que aquilo que é imediatamente ou diretamente percecionado é sempre uma sensação ou ideia, e nunca o próprio objeto estimulante. Locke argumenta que para um sujeito S ter uma certa experiência percetiva, não é causalmente necessário que uma coisa física estimule os recetores sensoriais de S. Isto porque uma experiência percetiva pode ser causada por um génio maligno ou pela estimulação direta do cérebro (como na HC do cérebro numa cuba). Ora, se isso é verdadeiro, então nenhum S pode saber, unicamente a partir da experiência percetiva, que está realmente a percecionar uma coisa física. Pois, para sabermos que estamos realmente a percecionar uma coisa física, temos de saber que essa coisa é uma causa da experiência percetiva. Mas, assim, se nenhum S pode saber, unicamente a partir da experiência percetiva, que está realmente a percecionar uma coisa física, então nenhuma coisa física é percecionada diretamente. Logo, nenhuma coisa física é percecionada diretamente.

    Também Descarte aceita na Meditação VI que as ideias são os únicos objetos imediatos ou diretos da experiência sensível, e não as coisas físicas. Para Descartes uma ideia é uma representação mental de um objeto (ainda que este não exista). Assim, para Descartes só percebemos clara e distintamente a ideia de objetos físicos, não os próprios objetos físicos. Mas é possível que a origem de tais ideias (representações mentais) sobre o mundo se devam a outros fatores (como sonhos vívidos, génios malignos, etc) que não o próprio mundo. Assim, como podemos estar certos que as nossas ideias sobre o mundo foram causadas por coisas físicas e não por um génio maligno? Será que tais ideias sobre o mundo exterior se assemelham a algo que nos é exterior? Que razões ou evidência temos para isso? Levantar essa questões leva-nos ao segundo passo do argumento cético sobre a perceção.

    O segundo passo do argumento cético apela ao princípio de meta-evidência. De acordo com esse princípio, se o nosso único acesso ao mundo exterior é mediado por experiências percetivas potencialmente enganadoras (dada a possibilidade das HC), devemos ter alguma garantia ou evidência de que essas experiências em que confiamos não são ilusórias ou enganadoras. Ou seja, só devemos confiar nas experiências percetivas se tivermos algumas boa razão para pensar que são verídicas. Assim, se não temos alguma boa razão para pensar que as nossas experiências percetivas são verídicas, não estamos justificados nas nossas crenças percetivas.

    No terceiro passo do argumento advoga-se que há ausência de evidência. Ou seja, parece que não há forma em que pudéssemos ter qualquer evidência para a fiabilidade das experiências percetivas sem confiar em outras perceções. Deste modo, não há forma de verificar a fiabilidade da perceção sem cometer petição de princípio. A esse propósito Hume (no livro Investigações sobre o Entendimento Humano, pp.119-120) faz a seguinte pergunta retórica: Como sabemos que as perceções são causadas pelos objetos exteriores se nós não temos acesso senão às perceções que se encontram na nossa mente? Simplesmente não o sabemos. Isto porque se sabemos realmente que o mundo exterior existe, então conseguimos estabelecer uma relação de causalidade entre os conteúdos da nossa mente e a existência de objetos exteriores. Mas não conseguimos estabelecer essa relação de causalidade (pois, apenas temos acesso aos conteúdos da nossa mente). Logo, não sabemos realmente que o mundo exterior existe (nem que não existe).

    Com base nos passos anteriores, podemos apresentar um argumento cético contra a justificação das nossas crenças percetivas:

    1. Nada está diretamente presente à mente na perceção, exceto as experiências percetivas. [princípio de acesso indireto]
    2. Se o princípio de acesso indireto é verdadeiro, então o princípio de meta-evidência é verdadeiro.
    3. Assim, se não temos alguma boa razão para pensar que as nossas experiências percetivas são verídicas, não estamos justificados nas nossas crenças percetivas. [princípio de meta-evidência]
    4. Mas, não temos qualquer boa razão para pensar que as nossas experiências percetivas são verídicas. [ausência de evidência]
    5. Logo, não estamos justificados nas nossas crenças percetivas.

    Além disso, se o conhecimento requer justificação, a conclusão 5 implica que as nossas crenças percetivas não podem constituir conhecimento. Mas se aceitamos que muitas das nossas crenças percetivas constituem conhecimento e estão justificadas, não podemos aceitar alguma premissa no argumento. Mas qual?

    David Hume aceita esse argumento. Mas, apesar de não termos justificação epistémica para as nossas crenças percetivas, salienta que podemos ter ainda assim justificação prudencial para tais crenças. Hume defende que não devemos abandonar, por razão pragmáticas, as nossas crenças na existência do mundo exterior. Pois, abandonar essas crenças tornaria, na prática, a nossa vida impossível.

    Mas caso se pretenda rejeitar a conclusão 5, há várias possibilidades. Uma dessas possibilidades é negar a premissa 1 apresentando uma solução metafísica e dizendo algo sobre a natureza da perceção. Nessa linha de argumentação procura-se defender que os objetos do mundo estão de facto diretamente presentes à mente na perceção. Ou seja, procura-se resolver o problema do ceticismo ao fechar a lacuna entre aparência e realidade, ao tornar os objetos comuns (como mesas e canetas) diretamente presentes à mente. Essa solução metafísica pode ser apresentada de diferentes formas. Por um lado, seguindo Thomas Reid, pode-se negar a premissa 1 com a teoria do “realismo direto”. Por outro lado, seguindo George Berkeley, pode-se negar 1 com a teoria “idealista”. Apesar de serem soluções muito diferentes, ambos aceitam que mesas e canetas estão de facto diretamente presentes à mente na perceção. Outra via diferente de refutação do argumento cético passa por negar a premissa 4 ao estabelecer-se requisitos normativos para a crença justificada e a sua satisfação. É nessa base que Descartes, com o seu fundacionalismo clássico, e que Locke, com um argumento para a melhor explicação, negam a premissa 4. Mas qual é melhor resposta para este tipo de ceticismo?

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    O Enigma do Livre-Arbítrio

    O livre-arbítrio é a ideia de que temos uma vontade livre, ou seja, é a crença que temos quando nos vemos como agentes capazes de influenciar o mundo de várias formas através das nossas escolhas ou decisões. Quando confrontados com escolhas ou decisões, parecem estar diante de nós alternativas abertas ou várias possibilidades alternativas. Ou seja, raciocinamos e deliberamos entre várias alternativas e escolhemos. Assim, parece que (i) depende de nós o que escolhemos (isto significa que poderíamos escolher agir de outra forma) e, dessa forma, (ii) a última fonte das nossas escolhas e ações reside em nós (ou seja, não reside fora de nós em fatores que estão além do nosso controlo). Por causa dessas caraterísticas, o livre-arbítrio é frequentemente associado com outras noções valiosas, como a de responsabilidade moral, autonomia, criatividade genuína, auto-controlo, gratidão, etc. Mas teremos realmente livre-arbítrio?

    Há um enigma que coloca em causa o livre-arbítrio, quer o universo seja determinista quer o universo seja indeterminista. Por um lado, o determinismo é a ideia de que tudo o que acontece é uma consequência necessária do passado e das leis da natureza. Assim, tal como os simples acontecimentos, as ações e decisões são inteiramente determinados por fatores que os agentes não controlam (nomeadamente são causadas por acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza). Por outro lado, o indeterminismo é a negação da tese determinista. Assim, se o universo for indeterminista, nem todos os acontecimentos são uma consequência necessária do passado e das leis da natureza. Com base nestas noções podemos formular um argumento para a impossibilidade do livre-arbítrio:

    1. O universo é determinista ou o universo é indeterminista.
    2. Por um lado, se o universo é determinista, então nunca podemos agir de outra forma.
    3. Se nunca podemos agir de outra forma, então não temos livre-arbítrio.
    4. ∴ Se o universo é determinista, então não temos livre-arbítrio. [2 e 3]
    5. Por outro lado, se o universo é indeterminista, então as nossas ações que não forem determinadas resultam do acaso.
    6. Se as nossas ações que não forem determinadas resultam do acaso, então não temos livre-arbítrio.
    7. ∴ Se o universo é indeterminista, não temos livre-arbítrio. [5 e 6]
    8. ∴ Quer o universo seja determinista quer seja indeterminista, não temos livre-arbítrio. [1, 4 e 7]

    Com este argumento mostra-se que o livre-arbítrio é incompatível com o determinismo e com o indeterminismo. Por conseguinte, não temos livre-arbítrio. Será este um bom argumento? Caso se aceite a conclusão 8, aceita-se que o livre-arbítrio é impossível; assim, tal como não existem quadrados redondos, também não há livre-arbítrio. Caso se pretenda negar essa conclusão ter-se-á de negar alguma premissa. Mas qual?

    Uma possibilidade de resposta, proposta pelo compatibilismo clássico, passa por negar a premissa 2 e sustentar que o universo é determinista e por vezes podemos agir de outra forma. Mas como podemos agir de outra forma num universo determinista? Como resposta a esse problema os compatibilistas clássicos, como David Hume, sugerem uma análise condicional do que significa agir de outra forma. Ou seja, eles defendem que o Princípio das Possibilidades Alternativa (PPA) deve ser alvo de uma análise condicional. De acordo com uma análise condicional, o PPA é entendido da seguinte forma: Temos livre-arbítrio, no sentido relevante para a responsabilidade moral, na medida em que poderíamos ter escolhido agir de modo diferente daquele que agimos, se tivéssemos crenças e desejos diferentes daqueles que efetivamente temos. De acordo com esta interpretação, o PPA (condicional) é compatível com o determinismo, porque ainda que tudo esteja determinado, é verdade que por vezes poderíamos ter agido de modo diferente daquele que agimos se as nossas crenças e desejos fossem diferentes daquilo que efetivamente são. Nessa interpretação, a premissa 2 é falsa, pois ainda que o determinismo seja verdadeiro, podemos ter PPA condicional. Ou seja, se tivéssemos crenças e desejos diferentes daqueles que efetivamente temos, poderíamos ter escolhido agir de modo diferente daquele que agimos. Esta perspetiva passa a encarar o livre-arbítrio como ausência de coação. Mas será esta uma boa crítica ao argumento?

    Como crítica à análise condicional de PPA pode-se sustentar que num mundo determinista não podemos ter desejos diferentes daqueles que temos, porque de acordo com a imagem determinista do mundo, cada estado de coisas num dado momento é consequência dos estados do mundo que o antecederam e das leis da natureza. Dado o determinismo, existe apenas um estado de coisas possível em cada instante. Como se estivéssemos num comboio que viaja uma linha sem bifurcações. Assim, num mundo determinista não faz sentido dizer que poderíamos ter desejos diferentes daqueles que efetivamente temos, pois os desejos que temos são a consequência da nossa história pessoal até ao momento e das leis da natureza. Será esta objeção plausível?

    Uma resposta diferente ao argumento, proposta pelo compatibilismo contemporâneo, passa por negar a premissa 3 ao defender-se que nunca podemos agir de outra forma e, mesmo assim, temos livre-arbítrio. Para se sustentar esta ideia Harry Frankfurt concebe uma engenhosa experiência mental em que um determinado agente não tem possibilidades alternativas (e, por isso, não pode agir de outra forma), mas ainda assim tal agente tem livre-arbítrio (no sentido relevante para a responsabilidade moral). Este tipo de experiência mental ficou conhecido como “Casos de Frankfurt”. Um exemplo de caso Frankfurt é o seguinte: Maria tem um dispositivo que lhe permite controlar o cérebro de José à distância, ainda que agora não esteja a fazê-lo. Ela quer que José realize um certo ato: votar no partido democrata. Suponha-se que Maria tem câmaras ocultas para a observar todos os comportamentos do José. Caso perceba que José não pretende votar no partido democrata mas sim no partido republicano, ela ativará o dispositivo. Intervirá na situação e, controlando o cérebro de José, levá-lo-á a mudar de ideias e a votar no partido democrata. Contudo, Maria acaba por não intervir, pois José vota no partido democrata sem que ela ative o dispositivo. Neste caso temos uma situação em que existe uma circunstância tal que José toma, por si mesmo, a decisão de votar no partido democrata. Se José não decidisse, por si mesmo, votar no partido democrata, Maria acionaria um dispositivo ligado ao cérebro o qual forçaria José a tomar essa decisão. E a presença do dispositivo no cérebro de José em nada contribui para a sua decisão de votar no partido democrata.

    Com base nesse caso pode-se dizer que o José é moralmente responsável por votar no partido democrata e, portanto, pode dizer-se que o agente é dotado de livre-arbítrio num sentido relevante. Mas o José, dadas as circunstâncias,não tem genuinamente ao seu dispor quaisquer possibilidades alternativas, pois não poderia ter agido de outra forma (dado que Maria teria intervido de modo a fazê-lo votar no partido democrata, caso a intervenção se tivesse justificado). Em suma, para os defensores deste tipo de perspetiva compatibilista podemos ter livre-arbítrio (no sentido relevante para a responsabilidade moral), ainda que não possamos escolher agir de modo diferente daquele que agimos. Mas Será esta uma boa resposta ao argumento sobre o enigma do livre-arbítrio? Uma forma de criticar os casos de Frankfurt é apelar à ideia de que mesmo neste tipo de casos existem genuínas possibilidades alternativas. Nomeadamente há a possibilidade de tomar por si próprio uma decisão, ou ser forçado por uma circunstância externa a tomar essa decisão, o que significa que é uma decisão diferente daquela que ele teria espontaneamente tomado. Ora, é a existência dessas possibilidades que explica a nossa intuição de que o agente é, apesar de tudo, dotado de livre-arbítrio e, consequentemente, moralmente responsável pelas suas ações. Mas será esta crítica plausível?

    Uma outra possibilidade de resistir à conclusão 8 do argumento sobre o enigma do livre-arbítrio passa por negar a premissa 5, tal como fazem os libertistas, ao defender-se que o universo é indeterminista e algumas das nossas ações que não forem determinadas não resultam do acaso. Ou seja, esta estratégia de resposta visa mostrar que o indeterminismo é compatível com o livre-arbítrio. Mas como estabelecer essa compatibilidade? Uma possibilidade é recorrer às ações autoformativas, tal como propõe o filósofo Robert Kane. De acordo com Kane,

    “Ter livre-arbítrio é ser o designer último dos nossos próprios propósitos ou fins ou objetivos. E, para que possamos ser os designers últimos dos nossos próprios propósitos ou fins, têm de existir certas ações nas nossas histórias de vida que são configuradoras-da-vontade, plurais, voluntárias e indeterminadas por quem quer que seja ou pelo que quer que seja. Estas ações indeterminadas, configuradoras-da-vontade são as ‘ações autoformativas’, ou AAFs, exigidas pela responsabilidade última (…). São aquelas ações nas nossas vidas por meio das quais nós definitivamente formamos o nosso carácter e os nossos motivos e nos tornamos a nós próprios nos tipos de pessoas que somos.” (Four Views on Free Will, 2007, p. 22.)

    Como se pode constatar, Kane procura estabelecer a compatibilidade entre indeterminismo e livre-arbítrio a partir das ações autoformativas (AAF) que consistem em escolhas indeterministas por meio das quais moldamos nosso próprio caráter. Durante uma AAF o agente tem uma vontade dividida – o que significa que ele tem razões morais/prudenciais que apoiam duas (ou mais) ações incompatíveis. Com base na ideia de que o cérebro instancia um processamento semelhante, Kane propõe que as razões em competição sejam instanciadas fisicamente em duas redes neuronais correspondentes que interagem e competem pelo controlo do comportamento. Na sua tentativa de controlo, cada rede neuronal cria resistência à rede oposta, exigindo que o agente faça um duplo esforço de vontade para superar as duas fontes de resistência de uma só vez e resolver o conflito. Essa batalha pelo controlo entre as duas redes neuronais amplifica as indeterminações causais ao nível das sinapses, fazendo com que o resultado das redes em interação – a escolha do agente – seja indeterminada; assim, o agente poderia ter escolhido de outra forma. O indeterminismo provém, assim, do conflito gerador de tensão na vontade. Mas porque o agente possui “controlo voluntário plural” (isto é, ele aceita as razões a favor de cada escolha e a sua escolha não é compelida) a ação resultante está sob o seu controlo. Deste modo, qualquer que seja o resultado, o agente terá conseguido fazer algo que estava a tentar fazer e pelas razões que aceita. Portanto, ao contrário da premissa 5, o indeterminismo envolvido no processo não implica que a ação resultante seja completamente aleatória ou ao acaso. Será esta uma boa teoria?

    Como crítica à teoria de Kane pode-se alegar que se o resultado de uma AAF é indeterminada, não há explicação contrastante para o motivo pelo qual o agente fez a escolha que fez, em oposição à alternativa. Assim, isso implica que o resultado de uma AAF é uma questão de sorte ou acaso, e isso é problemático, pois essas escolhas deviam fundamentar a responsabilidade do agente pelas suas ações. Portanto, o indeterminismo dificulta, em vez de aumentar, o controlo do agente sobre as suas escolhas. Será esta uma boa crítica?

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    Por que há algo em vez de nada?

    Na Monadologia Leibniz apresenta o seu argumento cosmológico a favor da existência de Deus da seguinte forma:

    1. Os nossos raciocínios fundam-se em dois grandes princípios, o da contradição, (…) E o da razão suficiente, em virtude do qual consideramos que nenhum facto poderia ser tido por verdadeiro ou existente, nenhuma enunciação verdadeira, sem que haja uma razão suficiente porque é que ele é assim e não de outra maneira.
    2. Mas a razão suficiente deve encontrar-se também nas verdades contingentes ou de facto, isto é, na sequência das coisas espalhadas pelo universo das criaturas; onde a resolução em razões particulares poderia ir a um pormenor sem limites, por causa da variedade imensa das coisas da Natureza e da divisão dos corpos ao infinito. (…).
    3. E como todo este pormenor envolve tão-só outros contingentes anteriores ou mais detalhados, cada um dos quais ainda tem necessidade de uma análise semelhante para se dar razão dele, não estamos mais avançados: e é preciso que a razão suficiente ou última esteja fora da sequência ou série deste pormenor das contingências, por muito infinito que ele possa ser.
    4. E é assim que a última razão das coisas deve estar numa substância necessária, na qual o pormenor das mudanças esteja apenas eminentemente, como na sua fonte: e é o que chamamos Deus.

    Quais são as principais premissas deste argumento? A primeira premissa fundamental em que este argumento está estruturado é o Princípio da Razão Suficiente (PRS), de acordo com a qual todo o facto contingente existente tem uma explicação. Ou seja, tudo o que é o caso tem uma razão suficiente para ser o caso. Ou, por outras palavras, todo o facto tem uma explicação. Assim, podemos dizer que, segundo Leibniz, q é uma razão suficiente para p se, e só se, q explica completamente p, ou seja, “q é verdadeira” dá uma resposta completa para a questão “Por que razão p é o caso”? Desta forma, de acordo com (PRS), para qualquer proposição p, se p é verdadeira, então há uma proposição q que explica p. Nesta definição do (PRS), uma “explicação” é alguma proposição verdadeira que de alguma forma dá razão para outra posição ser verdadeira, podendo haver vários tipos de explicação, como a lógica, causal, nomológica, contrastiva, etc.

    Este princípio (PRS) pode também ser interpretado de duas formas. Numa versão mais restritiva afirma-se que se p é uma verdade contingente, então há uma explicação para p. Neste caso (PRS) é aplicada apenas ao factos contingentes, sendo que p é contingente se e só se (p∧◊¬p), ao passo que p é necessária se e só se □p. Ora, dado que não sabemos muito sobre como funciona a explicação de verdades necessárias e, por conseguinte, podemos não estar em posição de justificar o (PRS) para verdades necessárias, esta formulação pode constituir uma vantagem. Mas pode-se apresentar igualmente uma versão irrestrita de (PRS), de acordo com a qual se p é uma verdade contingente ou necessária, então há uma explicação para p. Neste último caso, (PRS) é aplicado tanto ao factos contingentes como necessários. Talvez se possa argumentar que a explicação de factos necessários não tem de ser preocupante, pois qualquer verdade necessária p pode ser explicada citando a sua necessidade. Ou seja, no caso de verdades necessárias, p é o caso porque p é o caso necessariamente. Ainda assim, pode haver problemas; pois, pelo axioma S4 de lógica modal (com a relação de acessibilidade reflexiva e transitiva), obtemos que □p→□□p, e assim sucessivamente ao infinito. Mas não será esse um regresso ao infinito vicioso? Em alternativa pode-se dizer que enquanto não sabemos como explicar como funcionam as verdades necessárias, sabemos pelo menos para alguns casos (como no caso de 1=1).

    E por que razão devemos aceitar esta premissa com o (PRS)? De acordo com Leibniz, (PRS) é auto-evidente. Aliás, parece que Leibniz aceita o (PRS) como primitivo, não precisando de prova. Ou seja, tal como se está legitimado a aceitar o Princípio da Não-Contradição ¬(p∧¬p) sem argumento, também podemos aceitar o (PRS) de forma primitiva. Contudo, o (PRS) não é auto-evidente para alguns filósofos como, por exemplo, para David Hume. Neste caso terá de se avançar algum argumento a seu favor. Por exemplo, talvez se possa argumentar que sem o (PRS) não há sentido para a “inferência para a melhor explicação” comummente usada em ciência. Ou talvez que sem (PRS) a própria discussão filosófica fica imobilizada.

    A segunda premissa do argumento cosmológico de Leibniz é seguinte: a conjunção de todos os factos contingentes existentes é ela mesma um facto contingente existente. Para captar esta ideia, seja p a conjunção de todas as proposições contingentemente verdadeiras; ora, se p é uma conjunção de proposições contingentes, então o próprio p também é contingente e não necessário (pois, obter-se uma conjunção diferente é possível, dado que cada proposição é contingente). Mas, assim, pelo (PRS), esse p tem uma explicação que se pode designar q.

    O próximo passo do argumento, a terceira premissa, sustenta que a conjunção de todos os factos contingentes existentes apenas pode ser explicada pela atividade de um ser necessário. Isto porque, tal como já vimos na premissa anterior, pelo (PRS), p(isto é, a conjunção de todos os factos contingentes) tem uma explicação que se pode designar q. Mas como é q? É necessária ou contingente? Ora, se q é contingente, então q está contido em p, fazendo parte do que estamos a tentar explicar. Mas com isso não estaríamos a explicar realmente p. Além disso, nesse raciocínio, pelo facto de q fazer parte de p, p estaria a explicar-se a si próprio; mas os factos contingentes não podem conter eles mesmos a razão pela qual são verdadeiros. Assim, segue-se que q terá de ser necessário. Em resumo, para satisfazer o (PRS), o grande facto conjuntivo contingente p é explicado por q, sendo tal facto q necessário ou contingente. Mas se q é contingente, então, dado que q faz parte de p, estaríamos a aceitar uma explicação circular. Porém, não podemos aceitar uma explicação circular, dado que tal não é plausível.Por isso, pode-se concluir que q não é contingente e, por conseguinte, q é necessário. Assim, o argumento cosmológico de Leibniz pode ser formulado da seguinte forma:

    1. Todo o facto contingente existente tem uma explicação. (PRS)
    2. A conjunção de todos os factos contingentes existentes é ela mesma um facto contingente existente.
    3. A conjunção de todos os factos contingentes existentes apenas pode ser explicada pela atividade de um ser necessário.
    4. ∴ Há um ser necessário cuja atividade explica a conjunção de todos os factos contingentes existentes.

    É este conclusão 4 a resposta que Leibniz dá à questão “Por que há algo em vez de nada?”. Mas será este um bom argumento? Começando pela análise crítica da premissa 1, Van Inwagen (1983) apresentou um contraexemplo interessante ao (PRS). Considere-se que ‘GFCC’ abrevia o grande facto conjuntivo contingente, ou seja, a conjunção de todas as verdades contingentes. Ora, esse GFCC é ele mesmo contingente. Mas, assim, o que explica GFCC é ou contingente ou necessário. Por um lado, GFCC não pode ser explicado por algo contingente (caso contrário há circularidade). Por outro lado, GFCC não pode ser explicado por alguma coisa necessária (caso contrário o GFCC seria necessário). Daqui se segue que GFCC não pode ter explicação e, dessa, forma o (PRS) é falso.

    Neste contraexemplo de Van Inwagen, a premissa que exige mais fundamentação é a premissa que diz que GFCC não pode ser explicado por alguma coisa necessária. Por que razão devemos aceitar essa premissa? Aqui Van Inwagen parte da natureza de explicação como “implicação”. Ou seja, p explica q só se □(p→q). Mas, assim, q não pode ser contingente. Pois, a partir de □p e □(p→q) não se pode concluir validamente que (q∧◊¬q). Pelo contrário, o que se pode concluir é que □q; ou seja, ter-se-ia de concluir, ao contrário do pretendido, que o GFCC seria necessário.

    Mas será esse raciocínio de Van Inwagen plausível? Por que razão devemos aceitar aceitar que “p explica q só se □(p→q)”? Como crítica à estratégia de Inwagen, pode-se argumentar que tal conceção sobre a natureza da explicação é falsa. Por exemplo, as explicações científicas que envolvem estatística ou probabilidade violam essa conceção de explicação. Aliás, há explicações conceptuais que não são implicações, como explicar a água em termos de H2O. Em suma, a crítica de Inwagen só funciona se aceitarmos explicação em termos de implicação; mas isso é bastante controverso.

    Quanto à premissa 2 pode-se tentar criticar a ideia de que há um GFCC. Será que podemos formar um GFCC? Como crítica talvez se possa alegar que algumas conjunções ou conjuntos não fazem sentido, como “o conjunto de todos os conjuntos que não pertencem a si mesmos” (cf. paradoxo de Russell). Mas, assim, como sabemos que GFCC faz sentido? Como resposta a esta crítica pode-se alterar o ónus da prova. Ou seja, pode-se partir do princípio de que uma conjunção de proposições faz sentido a menos que haja uma prova que não o é.

    David Hume no livro Diálogos Sobre a Religião Natural (cap.9) apresenta uma ideia que pode constituir uma objeção à premissa 3:

    “Numa tal cadeia ou sucessão de objetos, cada parte é causada por aquela que a precede e causa aquela que lhe sucede. Onde está, então, a dificuldade? Mas o TODO, dizeis, carece de uma causa. Respondo que a união destas partes num todo, como a união de vários condados distintos num reio ou de vários membros distintos num corpo, é realizado por um mero ato arbitrário da mente e não tem qualquer influência na natureza das coisas. Se eu vos tivesse mostrado causas particulares de cada indivíduo numa coleção de vinte partículas de matéria, consideraria muito pouco razoável que vós me perguntásseis a seguir o que era a causa do conjunto das vinte. Isto é suficientemente explicado ao explicar a causa das partes.” (pp. 94-95)

    Hume neste passagem parece estar comprometido com um princípio a que designo como Princípio de Hume (PH). De acordo com PH, ao explicar cada conjunto de uma proposição, explica-se toda a proposição. Ora, com base no PH, pode-se defender que uma proposição contingente é explicada por uma segunda, e a segunda pela terceira, e assim ao infinito, e assim todo o GFCC é explicado (sem ser preciso recorrer a um ser necessário). Em suma, pode-se explicar a conjunção ao explicar individualmente cada um dos conjuntos. Mas será o PH verdadeiro? Como crítica pode-se alegar que se aquilo que explica o GFCC é contingente, essa explicação parece envolver circularidade. Mas haverá boas explicações circulares?

    David Hume rejeita também o argumento cosmológico porque a conclusão 4 é inconcebível (veja-se por exemplo a p.93 dos Diálogos de Hume). Isto porque qualquer entidade que possa ser concebida como existente, pode ser concebida como não existente. Portanto, o conceito de “existência necessária” não pode ser aplicado a nenhuma entidade na realidade. Neste caso, Hume parece comprometido com a seguinte tese: se concebo ¬p, então ¬□p. Mas terá Hume razão? Se conseguirmos conceber os números como não existindo, será que podemos inferir que os números são meramente contingentes? Isso parece implausível. Mas ainda que se suponha que o conceito de existente necessário é coerente, Hume continua a sua crítica:

    “Por que não poderia (…) o universo material ser o ser necessariamente existente? Não ousamos afirmar que conhecemos todas as qualidades da matéria e, tanto quanto podemos determinar, a matéria pode conter certas qualidades que, se fossem conhecidas, fariam a sua não-existência parecer uma contradição tão grande quanto dois vezes dois serem cinco”. (cf. Diálogo, pp. 93-94)

    Portanto, se a matéria e energia podem ser necessárias, então não chegamos à existência de algo que proporciona uma explicação transcendente do cosmos e, assim, pode-se descartar a hipótese de Deus. Será isso plausível? Será o universo material um existente necessário ou será mais plausível entendê-lo como contingente?

    Como crítica final pode-se destacar que há uma lacuna ou hiato entre a conclusão 4 e o Deus teísta. Recorde-se que em 4 afirma-se que:

    1. ∴ Há um ser necessário cuja atividade explica a conjunção de todos os factos contingentes existentes.

    A proposição 4 não indica ainda que o Deus teísta existe. De que forma 4 pode dar razões para pensar que o Deus teísta existe? Uma possível forma de fechar a lacuna passa por se recorrer a um raciocínio abdutivo:

    1. A melhor explicação para o porquê de o ser referido em 4 ter existência necessária é haver uma ser maximamente perfeito. (Dado que se x é maximamente perfeito, então x tem existência necessária).
    2. ∴ Provavelmente, há um ser maximamente perfeito.
    3. Se há um ser maximamente perfeito, o Deus teísta existe.
    4. ∴ Provavelmente, Deus teísta existe.

    Será essa uma boa forma de resolver o problema?