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    A objeção de Kant ao argumento ontológico

    Kant na Crítica da Razão Pura apresentou uma objeção que permite atacar a premissa 2 (de que a existência é uma perfeição) do argumento ontológico de Descartes e também do argumento ontológico de Anselmo. Para atacar essa premissa Kant tem a seguinte estratégia argumentativa:

    1. Se a existência é uma perfeição, então a existência é uma propriedade.
    2. Mas a existência não é uma propriedade.
    3. Logo, a existência não é uma perfeição.

    A premissa 1 é aceite tanto por Kant quanto pelos defensores tradicionais do argumento ontológico. Mas ao passo que os defensores tradicionais fazem modus ponens a partir de 1, Kant faz modus tollens. Assim, a premissa que precisa ser bem fundamentada é a premissa 2. Para fundamentar essa premissa, Kant escreveu o seguinte na Crítica da Razão Pura (A599,B627):

    “Ser não é, evidentemente, um predicado real, isto é, um conceito de algo que possa acrescentar-se ao conceito de uma coisa; é apenas a posição de uma coisa ou de certas determinações em si mesmas. (…) A proposição Deus é omnipotente contém dois conceitos que têm os seus objetos: Deus e omnipotência (…). Se tomar pois o sujeito (Deus) juntamente com todos os seus predicados (entre os quais se conta também a omnipotência) e disser Deus é, ou existe um Deus, não acrescento um novo predicado ao conceito de Deus, mas apenas ponho o sujeito em si mesmo, com todos os seus predicados e, ao mesmo tempo, o objeto que corresponde ao meu conceito. Ambos têm de conter, exatamente o mesmo.”

    Seguindo a interpretação de George Dicker (no livro Descartes: an analytical and historical introduction), nessa passagem Kant está a defender que:

    1. Se a existência é uma propriedade, então “existe” é um predicado descritivo.
    2. Mas “existe” não é um predicado descritivo.
    3. Logo, a existência não é uma propriedade.

    De acordo com 4, salienta-se que a palavra que designa uma propriedade serve para descrever coisas como tendo ou não essa propriedade. Por exemplo, se a vermelhidão é uma propriedade, então a palavra “vermelho” é um predicado descritivo. Do mesmo modo, se a existência é uma propriedade, então “existe” é um predicado descritivo. Mas por que razão 5 é verdadeira? Kant aceita que “existe” pode ser um predicado gramatical, como quando se afirma que “tigres domesticados existem”. Contudo, “existe” não é um predicado descritivo, ou seja, não diz como as coisas são. Mas porquê? Para fundamentar isso, compare-se as seguintes frases:

    • A. Tigres domésticos existem.
    • B. Tigres domésticos rosnam.

    Ao passo que em B o predicado “rosnam” descreve os tigres domésticos, caraterizando como eles são, na afirmação A o predicado “existem” não serve para descrever os tigres domésticos, não os caraterizando. Ora, como “existe” é no máximo um predicado gramatical, mas não descritivo, Kant defende que “existe” não é um predicado real. Então qual é função do termo “existem” na frase A? Nesse caso, a sua verdadeira função é dizer que o conceito de tigres domésticos se aplicam a alguma coisa. Assim, quando se afirma que os tigres domésticos existem, está a dizer-se que o conceito se aplica a alguma coisa, ou tem instâncias, ou é exemplificado. Mas com isso não se está a dizer que os tigres domésticos têm uma certa propriedade: a existência. Em suma, segundo Kant, é preciso distinguir entre:

    1. descrever uma coisa e
    2. dizer que um conceito se aplica a algo.

    Com base nisso, ao dizermos que “Deus é omnipotente” estamos a descrever ou caraterizar Deus. Mas ao dizermos “Deus existe” não existamos a descrever Deus, mas sim que o termo “Deus” se aplica a algo ou é instanciado.

    Esta perspetiva de Kant tem reflexos na notação simbólica da lógica quantificada. Por um lado, uma frase descritiva, como “Deus é omnipotente”, é formalizada como ‘Od’ (lendo-se como “d tem a propriedade O”), em que ‘d’ é uma constante que denota o Deus teísta e ‘O’ é o predicado que designa a propriedade da omnipotência. Por outro lado, uma frase afirmativa existencial, como “Deus existe”, é formalizada como ‘∃x(x=d)’ (lendo-se como “existe um x tal que x é idêntico com o Deus teísta”).

    Se a conclusão 6 de Kant for verdadeira consegue-se fundamentar a premissa 2 do argumento de Kant e mostrar que a existência não é uma perfeição. Assim, o argumento ontológico tem uma premissa falsa. Mas será que Kant tem razão? Se Kant tiver razão, consegue apontar exatamente onde está o erro no argumento ontológico de Descartes (e também de Santo Anselmo). Mas há uma versão do argumento ontológico que escapa a essa a essa crítica: a versão de Leibniz.

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    Argumento ontológico modal de Leibniz

    Leibniz desenvolveu uma versão diferente e mais interessante do argumento ontológico que permite ultrapassar algumas dificuldades do argumento ontológico de Descartes, nomeadamente a crítica de Kant. No livro Monadologia, § 45, apresenta o seu argumento tal como se segue:

    só Deus (ou o Ser Necessário) tem o privilégio de que, se ele é possível, tem de existir. E como nada pode impedir a possibilidade daquilo que não encerra quaisquer limites, nenhuma negação e, por conseguinte, nenhuma contradição, só isso basta para conhecer a existência de Deus a priori.

    A estrutura central deste argumento é a seguinte:

    1. Se Deus é possível, então Deus existe.
    2. Deus é possível.
    3. Logo, Deus existe. 

    Ou em termos lógicos:

    1. ◊∃xDx→∃xDx
    2. ◊∃xDx
    3. ∴∃xDx

    Esse argumento é válido (ver aqui), mas será sólido? Leibniz tentou suportar a premissa 1 sem referência à existência como perfeição (evitando dessa forma a crítica de Kant). Pelo contrário, para Leibniz, a essência de Deus envolve existência necessária. Isso significa que Deus, por definição, não é um ser contingente. Por isso, ou existe em todos os mundos possíveis ou não existe em qualquer mundo possível. Ou, por outras palavras, necessariamente, se Deus existe, então é necessário que Deus exista. Isso é o conhecido Princípio de Anselmo. Com base nesse Princípio, pode-se concluir que se Deus é possível, então Deus existe. Pois, se Deus é possível, então há algum mundo possível em que a sua existência é instanciada. Mas, dado o princípio de Anselmo, se a existência de Deus é instanciada em algum mundo, então tem de ser instanciada em todos os outros (dado que não é um ser contingente, mas sim necessário). Ora, aceitando uma relação simétrica de acessibilidade entre mundos, se a existência de Deus é instanciada em todos os mundos acessíveis a partir do atual, isso significa que também é instanciada no mundo atual. Por isso, se há um mundo possível em que a existência de Deus é instanciada, então a existência de Deus também é instanciada no mundo atual. Em termos mais formais a justificação da premissa 1 é a seguinte:

    1. □(∃xDx→□∃xDx) [Princípio de Anselmo]
    2. ∴◊∃xDx→∃xDx [Premissa 1]

    A premissa 1 segue-se validamente do Princípio de Anselmo no sistema B de Lógica Modal com a relação de acessibilidade simétrica (ver aqui). Quanto à premissa 2, a estratégia de Leibniz para mostrar que Deus é possível consiste em argumentar que o conceito de Deus é consistente. Isto é ∃xDx não implica contradição. E não há contradição porque as propriedades de Deus são simples e positivas, sendo que uma propriedade simples não é analisável em termos de outras e uma propriedades positiva não é a negação de outra. Ora, segundo Leibniz, o que é puramente positivo não pode conter qualquer contradição formal. Mas, então, se não envolve contradição, isso significa que é possível. Assim, Leibniz justifica a premissa 2 desta forma:

    1. Se o conceito de Deus (de um ser sumamente perfeito) é inconsistente, então pelo menos duas das suas perfeições F e G são incompatíveis.
    2. Mas, dado que F e G são simples, positivas e absolutas, tais perfeições não são incompatíveis.
    3. Logo, o conceito de Deus é consistente.
    4. Se o conceito de Deus é consistente, então ◊∃xDx.
    5. Logo, ◊∃xDx.

    Uma vez justificadas as premissas 1 e 2 pode-se concluir que Deus existe. Mas será essa fundamentação de Leibniz plausível?

    A premissa mais difícil de justificar é a premissa 2. Na fundamentação dessa premissa aceita-se que “iv. Se o conceito de Deus é consistente, então ◊∃xDx”. Contudo, pode-se defender que algo é consistente e ainda assim não é metafisicamente possível. Por exemplo, é consistente pensar que a água não é H2O, mas isso não é realmente possível. Algo ser consistente, não-contraditório, concebível, não implica imediatamente possibilidade. Além disso, Leibniz aceita que “ii. dado que as perfeições F e G são simples, positivas e absolutas, tais perfeições não são incompatíveis”. Mas pode-se colocar isso em causa, pois ainda que cada propriedade seja em si mesma consistente, daí não se segue que sejam compatíveis entre si. Um argumento para colocar pressão sobre isso apela à incapacidade de Deus para pecar; pois, se Deus é omnipotente, então pode fazer tudo o que é logicamente possível; mas se é sumamente bom, então Deus não pode fazer tudo o que é logicamente possível (por exemplo, não pode pecar). Nesse raciocínio parece haver uma inconsistência entre omnipotência e suma bondade, colocando em causa a fundamentação de Leibniz. Para ver outras formas de fundamentar a premissa 2 consulte o meu artigo sobre o argumento ontológico modal (ver aqui).

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    Argumento ontológico de Descartes

    No parágrafo 9 das Meditações V, Descartes apresenta da seguinte forma o seu argumento ontológico a favor da existência de Deus:

    (…) todas as vezes (…) que me ocorrer pensar num ser primeiro e soberano (…) é necessário que eu lhe atribua todas as espécies de perfeição (…). E esta necessidade é suficiente para me fazer concluir (depois que reconheci ser a existência uma perfeição), que este ser primeiro e soberano existe verdadeiramente.

    Tal como se pode constatar, Descartes visa provar a existência de Deus com base neste argumento:

    1. Um ser sumamente perfeito tem todas as perfeições.
    2. A existência é uma perfeição.
    3. Logo, um ser sumamente perfeito existe.

    Será este um bom argumento? Tipicamente a crítica mais comum a este argumento consiste em atacar a premissa 2; pois, com base em Kant, pode-se defender que se a existência não é uma propriedade, então a existência não é uma perfeição. Mas parece-me que há problemas mais graves e básicos do que esse que não estão relacionados com a verdade das premissas, mas sim com a própria estrutura lógica do argumento.

    Para analisar com rigor este argumento, vamos formalizá-lo ao utilizar três predicados – S, P, e T – e uma constante e. Assim, ‘e’ representa a propriedade da existência, ‘Sx’ abrevia ‘x é sumamente perfeito’, ‘Px’ abrevia ‘x é uma perfeição’, e ‘Txy’ abrevia ‘x tem a propriedade y’. Com base nessas abreviaturas, pode-se formalizar intuitivamente o argumento de Descartes do seguinte modo:

    1. ∀x(Sx→∀y(Py→Txy))
    2. Pe
    3. ∴∀x(Sx→Txe)

    Nesta formalização o argumento de Descartes é claramente válido; contudo, não prova realmente a existência de um ser perfeito. Pois, em 6 não diz que há um ser sumamente perfeito que existe, mas apenas que, para qualquer x, se x é sumamente perfeito, então x tem a propriedade da existência. Mas isso é só uma condicional. Por isso, é preciso alterar a conclusão de forma a dizer precisamente que há um ser sumamente perfeito que existe. Nesse caso temos a seguinte formalização:

    1. ∀x(Sx→∀y(Py→Txy))
    2. Pe
    3. ∴∃x(Sx∧Txe)

    Com essa reformulação o argumento já teria uma conclusão existencial ao afirmar-se que pelo menos um ser sumamente perfeito existe. O problema é que neste último caso o argumento é inválido, dado que 9 não se segue validamente de 7 e 8. Para se ter um argumento válido com uma conclusão existencial é preciso alterar a formalização lógica da premissa 1 (a qual terá de ser igualmente existencial), resultando na seguinte formalização:

    1. ∃x(Sx∧∀y(Py→Txy))
    2. Pe
    3. ∴∃x(Sx∧Txe)

    Aqui temos um argumento válido com uma conclusão existencial. O problema é que comete de forma escandalosa uma petição de princípio, dado que em 10 já se está a afirmar que há um ser sumamente perfeito para depois concluir em 12 que há um ser sumamente perfeito. Ora, isso é completamente circular. Assim, o argumento falha em provar a existência de Deus. Mas há outras versões do argumento ontológico, como a versão de Leibniz, que procura ultrapassar esses problemas.

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    Argumento teleológico de Tomás de Aquino

    Tomás de Aquino na Suma Teológica (Questão 2, Artigo 3) apresenta a seguinte versão do argumento teleológico a favor da existência de Deus:

    “A quinta via é tomada da governação das coisas. De facto, vemos que algumas coisas, que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, operam por causa de um fim, o que é manifesto porque sempre ou com maior frequência operam do mesmo modo, para atingirem aquilo que é óptimo. Donde, é patente que não é por acaso, mas por intenção, que atingem o fim. As coisas, porém, que não possuem conhecimento, não tendem para um fim a não ser dirigidas por algum cognoscente e inteligente, assim como a seta pelo lançador de setas. Logo, existe algo inteligente, pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas para um fim: e isso, dizemos que é Deus”.

    A estrutura central do argumento de Tomás de Aquino é capturada fielmente da seguinte forma:

    1. Alguns seres não são inteligentes mas atingem aquilo que é óptimo. (Por exemplo, as laranjeiras não têm inteligência, mas produzem laranjas).
    2. Todo o ser que atinge aquilo que é óptimo atinge o seu fim.
    3. Todo o ser não inteligente que atinge o seu fim é dirigido por algum ser inteligente.
    4. Logo, existe um ser inteligente que dirige todo o ser não inteligente ao seu fim.

    Será este um bom argumento? Para analisar a sua validade, podemos utilizar as seguintes abreviaturas para fazermos a formalização lógica do argumento:

    • Ix =df ‘x é inteligente (tem cognição ou conhecimento)’
    • Ox =df ‘x atinge que é óptimo (ou o melhor)’
    • Fx =df ‘x atinge o seu fim (objetivo ou propósito)’
    • Dyx =df ‘y dirige x (ao seu fim)’

    Com base nesse dicionário, a formalização do argumento teleológico de Tomás de Aquino é a seguinte:

    1. ∃x(¬Ix∧Ox)
    2. ∀x(Ox→Fx)
    3. ∀x((¬Ix∧Fx)→∃y(Dyx∧Iy))
    4. ∴∃y(Iy∧∀x(¬Ix∧Dyx))

    Contudo, este argumento é inválido. Com base nas premissas apresentadas por Tomás de Aquino não se pode validamente concluir 4; nomeadamente, o argumento é inválido porque comete a falácia da inversão dos quantificadores (seria como partir da premissa “todas as pessoas têm uma mãe” para concluir “há uma mãe de todas as pessoas”). É por causa disso que o padre dominicano e lógico polaco Józef Bocheński, membro do Círculo de Cracóvia e do neotomismo analítico, assinalou no artigo The Five Ways que dá a impressão que a quinta via de Tomás de Aquino foi escrita muito apressadamente e que a falha lógica é totalmente flagrante. Esta falha é também notada pelo Anthony Kenny. Para o argumento ser válido é preciso modificar a conclusão. Assim, a conclusão deve ser a seguinte:

    • 4’. Logo, existe pelo menos um ser inteligente que dirige pelo menos um ser ao seu fim.

    Ou em linguagem lógica:

    • 4’. ∴∃x∃y(Dyx∧Iy)

    Neste caso o argumento já seria válido. O problema é que neste caso não se consegue mostrar que há um ser inteligente, Deus, que dirige todas as coisas naturais não inteligentes ao seu fim; mas apenas que existe pelo menos algum designer inteligente que dirige alguma coisa natural ao seu fim. Mas isso é compatível com uma pluralidade de designers inteligentes e, assim, não se mostra que Deus existe (tal como é tradicionalmente concebido).

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    Teoria ética do exemplo moral

    No livro Exemplarist Moral Theory (2017) a filósofa Linda Zagzebski apresenta uma teoria ética original construida ao identificar exemplares morais e ao investigar o que os torna exemplares. De acordo com Zagzebski, nós identificamos exemplares morais por referência direta a pessoas que admirámos mediante reflexão crítica – esta reflexão crítica também nos permite eliminar exemplares inapropriados. Por outras palavras e fazendo uma extensão da semântica de Putman e Kripke sobre termos naturais, na teoria de Zagzebski identifica-se exemplares morais por referência diretaa pessoas como essas, nomeadamente a indivíduos que nós admiramos mediante a reflexão crítica e identificamos indexicamente apontando para eles (como apontando o exemplo de Leopold Socha – que instancia a virtude da coragem – de Jean Vanier – que instancia a virtude da compaixão – ou de Confúcio – que instancia a virtude da sabedoria). A identificação de exemplares morais por referência direta permite a Zagzebski proporcionar definições de termos morais fundamentais. Por exemplo, uma virtude é um traço que admirámos num exemplar, um dever nalgum conjunto de circunstâncias C é um ato que um exemplar exige de si mesmo e dos outros em C, um bom motivo é o motivo a admirar em exemplares, e uma boa vida é a vida que os exemplares desejam. Portanto, ao contrário da tradição ética, Zagzebski visa primeiro identificar exemplos morais e, por conseguinte, por referência a esses paradigmas de virtude, descrever as noções morais fundamentais.

    No parágrafo acima apresentei brevemente a teoria ética do exemplo moral, a qual se poderá inserir na família das éticas das virtudes, proposta pela filósofa Linda Zagzebski; agora quero avançar com algumas possíveis objeções a esta teoria. O objetivo de Zagzebski é fornecer uma teoria ética normativa abrangente que se torne numa alternativa viável às outras teorias éticas. Mas será realmente uma alternativa viável?

    Em primeiro lugar, parece haver algum tipo de circularidade nesta teoria. Isto porque, de acordo com Zagzebski, deve-se entender as noções éticas fundamentais (como virtudedeverbom motivo, etc) ao observar-se e a seguir-se exemplos morais particulares e paradigmáticos. Contudo, parece que a própria identificação e seleção de exemplares morais requer que já se possua algum conhecimento e entendimento prévio do bem e das virtudes; caso contrário, como se poderia escolher de forma correta e não arbitrária os exemplares morais?

    Em segundo lugar, a admiração tem um enorme destaque na teoria de Zagzebski, dado que a identificação de exemplares morais é feita por referência direta a pessoas que se admira. O problema é que a admiração não é muitas vezes fiável; considere-se, por exemplo, as figuras históricas (como Hitler ou Estaline) que foram admiradas por multidões de seguidores. É verdade que Zagzebski acrescenta um elementos de reflexão crítica à admiração; mas será isso suficiente suficiente quando temos filósofos como Martin Heidegger e Gottlob Frege a admirar Hitler (embora a responsabilidade de Frege seja muito menor dado que já tinha falecido quando Hitler conquistou o poder e cometeu atrocidades) e Jean-Paul Sartre a admirar Estaline? Além disso, não será que tal reflexão crítica, de forma a selecionar verdadeiros exemplares morais, pressupõe igualmente algum conhecimento prévio de valores morais? Mas, assim, essa teoria parece ser mais uma vez circular (ainda assim, talvez seja possível quebrar essa circularidade ao adicionar uma consideração sobre o que promove o florescimento humano).

    Por fim, e em terceiro lugar, vale a pena questionar se a teoria do exemplo moral, tal como é apresentada, nos ajuda a resolver problemas éticos. Uma dificuldade reside no facto de que vários exemplares podem ter diferentes abordagens, ou até respostas inconsistentes, para a mesma questão moral ou dilema moral; assim, parece que esta teoria é de alguma forma incapaz de resolver as questões éticas mais complexas dentro da ética aplicada. Por exemplo, como se resolveriam as questões difíceis sobre a ética do aborto e da eutanásia, sobre o sistema político justo, etc? Seria suficiente a referência a exemplares? Parece que não, pois podem-se encontrar exemplares morais que se contradizem. Por exemplo, pode-se encontrar alguns exemplares que valorizam a santidade da vida humana enquanto outros podem valorizar mais a qualidade de vida. Por isso, a aplicabilidade prática desta teoria torna-se difícil. É difícil ver como é que esta teoria poderia ser realmente uma alternativa às teorias éticas existentes.
    Apesar destas objeções, esta teoria pode ter a sua relevância na educação, dado que evidências empíricas (veja-se p.e. os casos de Albert Bandura) indicam que a educação pelo exemplo é impactante e motivacional para se realizarem ações moralmente corretas.