Social

  • Domingos Faria Avatar

    A probabilidade da ressurreição de Jesus é de 97%

    Na Páscoa os cristãos celebram a ressurreição de Jesus. Como os filósofos costumam examinar todas as crenças que temos, esta crença da ressurreição não fica de fora do âmbito de investigação. Por exemplo, já analisei aqui um argumento de Peter van Inwagen que procura mostrar que a ressurreição é metafisicamente possível. Agora pretendo analisar um outro argumento que visa mostrar não só que a ressurreição é possível como também é atual, tendo um grau muito elevado de probabilidade. Richard Swinburne no livro “The Resurrection of God Incarnate” (2003) tenta mostrar que a probabilidade da ressurreição de Jesus ronda os 97%. Mas como é que ele chega a essa percentagem?

    Swinburne chega a esse resultado com a utilização do teorema de Bayes para o cálculo de probabilidades. Aplicado à epistemologia, o bayesianismo é uma teoria da justificação de acordo com a qual uma crença é racionalmente sustentada na medida em que (i) é coerente em conformidade com o cálculo de probabilidades do teorema de Bayes e (ii) é a crença mais provável entre aquelas que estão a ser consideradas ou, pelo menos, tem probabilidade igual ou superior a 50%. A formulação principal do teorema de Bayes é a seguinte, sendo “h” a hipótese sob avaliação, “e” o indício ou dado de acordo com o qual a hipótese será julgada, “k” o conhecimento de fundo (ou seja, o que se sabe com exceção de “e” e “h”), e “P(…|___)” a probabilidade de … dado ___. Assim:

                                  P(e|h&k)
    P(h|e&k) = ——————– x P(h|k)
                                   P(e|k)

    Na epistemologia da crença religiosa Swinburne recorre bastante a este teorema para argumentar indutivamente a favor da existência de Deus, mas também aplica-o a crenças bastante mais específicas como é o caso da ressurreição de Jesus. Aqui não tenho tempo nem espaço para analisar com pormenor o argumento de Swinburne; por isso apenas pretendo fazer um esboço do esqueleto geral do argumento.

    O objetivo de Swinburne é argumentar que a probabilidade da hipótese de que Jesus é Deus encarnado e de que ressuscitou é muito alta, dado os nossos indícios de fundo e os indícios específicos históricos de que Jesus satisfaz tanto os requisitos prévios de ser Deus encarnado (ele viveu uma vida perfeita, ensinou a redenção, fundou uma igreja, etc) como os requisitos posteriores de ser Deus encarnado (os seus seguidores encontraram o seu túmulo vazio, viram-no ressuscitar, mudaram o domingo para o seu dia de adoração, proclamam a ressurreição como significante para a redenção da humanidade, etc). Em suma, argumenta que os indícios disponíveis tornam altamente provável a ressurreição de Jesus. Para o seu argumento recorre às seguintes abreviaturas:

    • h = hipótese de que Jesus ressuscitou.
    • k = conjunto dos indícios da teologia natural.
    • e = conjunção dos indícios históricos e1&e2&e3.
    • e1 = indícios históricos prévios da vida de Jesus.
    • e2 = indícios de que nenhum outro profeta conhecido satisfaz os requisitos prévios ou posteriores para ser um Deus encarnado.
    • e3 = indícios históricos posteriores, como o relato de testemunhas pós-crucifixão sobre a ressurreição.
    • f = conjunção dos indícios f1&f2&f3.
    • f1 = indícios de que os requisitos prévios para ser Deus encarnado são satisfeitos num profeta qualquer S1.
    • f2 = indícios de que nem os requisitos prévios nem os posteriores são satisfeitos em qualquer outro profeta.
    • f3 = indícios de que os requisitos posteriores para ser Deus encarnado (a sua vida culminar com um supermilagre) são satisfeitos naquele profeta S1.
    • t = teísmo (há um Deus do tipo tradicional).
    • c = Deus encarnou nalgum momento (tal como se defende no Concílio de Calcedónia)

    Tendo em conta essas abreviaturas, o que queremos saber é a P(h|e&k), ou seja, a probabilidade de que Jesus ressuscitou, dado os indícios tanto da teologia natural como da história pormenorizada de Jesus e de outros profetas. Para averiguar isso, no seu argumento, Swinburne começa por questionar qual a probabilidade do teísmo, de que há um Deus do tipo tradicional, dado os argumentos da teologia natural. Ou seja, qual é a P(t|k)? Swinburne atribui um valor modesto de pelo menos 0,5. Deste modo:

    P(t|k) ≥ 0,5

    O passo seguinte consiste em questionar qual é a probabilidade de que, se Deus existe, ele encarnaria. Abreviando, qual é a P(c|t&k)? Aqui também se atribui um valor de 0,5. Em relação a essa probabilidade, Swinburne oferece três argumentos a favor da encarnação de Deus, nomeadamente Deus teria motivos para encarnar (i) para fornecer um meio de redenção, (ii) para se identificar com os nossos sofrimentos [já analisei este argumento], e (iii) para nos mostrar como viver e encorajar-nos a agir desse modo. Assim:

    P(c|t&k) = 0,5 

    Mas qual é a probabilidade de Deus se tornar encarnado dado apenas os indícios da teologia natural? Ou seja, qual é a P(c|k)? De acordo com Swinburne, 

    P(c|k) = P(c|t&k) x P(t|k) = 0,5 x 0,5 = 0,25

    Ora, se a P(c|k) é de 0,25, a P(~c|k) é de 0,75, dado que a P(c|k) mais a P(~c|k) é igual a 1. Porém, se c é verdadeiro, isto é, se uma encarnação divina ocorre, qual é a probabilidade de haver indícios f, a conjunção de (f1&f2&f3)? Ou seja, qual é a P(f|c&k)? Ora, o que se esperaria de um Deus encarnado é que vivesse uma vida moralmente perfeita, ensinasse verdades morais profundas, fundasse uma Igreja que ensine a redenção, bem como se esperaria que tal vida culminasse num supermilagre, como o da ressurreição, etc. Mesmo assim, a este respeito, Swinburne atribui um valor muito baixo e modesto de 0,1.

    P(f|c&k) = 0,1

    Deste modo, a probabilidade de que há um Deus que encarnou e que nos deixa com indícios do tipo f, dado os argumentos da teologia natural, é a seguinte:

    P(f&c|k) = P(f|c&k) x P(c|k) = 0,1 x 0,25 = 0,025

    Agora, considerando a P(f|k), essa probabilidade é igual à probabilidade de que existe um Deus que encarnou e deixou indícios do tipo f, dado k, mais a probabilidade de que ou Deus não existe ou de que Deus não encarnou, mas que deixou indícios do tipo f, dado k. Mais especificamente:

    P(f|k) = [P(f|c&k) x P(c|k)] + [P(f|~c&k) x P(~c|k)]

    Tal como vimos anteriormente, já sabemos que o valor do primeiro termo da equação [P(f|c&k) x P(c|k)] é 0,025. Quando ao segundo termo já sabemos que o valor de P(~c|k) é de 0,75. Falta agora averiguar o valor de P(f|~c&k); ou seja, a probabilidade de que se não há encarnação e houver indícios de teologia natural, f ainda assim ocorre. Ora, tal probabilidade parece muito muito pequena, na ordem de 0,001. Portanto,

    P(f|k) = 0,025 + 0,75 x 0,001 = 0,02575

    Por fim, utilizando o teorema de Bayes (substituindo “c” por “h” e “f” por “e”) obtemos o seguinte:

                     P(f|c&k)                      0,1

    P(c|f&k) = ———— x P(c|k) = ———- x 0,25 = 3,8834 x 0,25 = 0,97085

                         P(f|k)                      0,02575

    Isto representa a probabilidade sobre o tipo de indícios que temos acerca de Deus se tornar encarnado. Mas como todos os factos ou indícios relevante acerca de Jesus, em “e”, estão incorporados em “f”, podemos dizer que a P(c|e&k) é pelo menos igual à P(c|f&k), especificando-se que o profeta referido em f é Jesus. Assim,

    P(c|e&k) = 0,97085

    Porém, a probabilidade de c dado e&k será praticamente a mesma que a probabilidade de h dado e&k. Isto porque se Deus encarnou de tal forma que a sua vida precisa culminar num super-milagre e, dado “e”, há apenas um sério candidato para isso (a ressurreição), então deve ter havido uma ressurreição. Assim, para Swinburne, h é verdadeiro se, e só se, c é verdadeiro, o que implica que:

    P(h|e&k) = 0,97085

    Portanto, a probabilidade da nossa evidência total de que a ressurreição de Jesus ocorreu é algo na ordem de 97%. Ora, de acordo com Swinburne, estes indícios mostram que é racional acreditar na ressurreição de Jesus. Mas o que dizer deste argumento?

    Uma primeira forma de criticar o argumento e a sua conclusão pode consistir em disputar alguma das probabilidades atribuídas previamente (mas qual?). Um outro modo interessante de se criticar este argumento foi sugerido por Alvin Plantinga (2000, 2006). Este filósofo acusa o argumento de Swinburne, e outros similares, do «problema da probabilidade decrescente», o que leva a argumentos com uma conclusão muito mais fraca; pois caso se argumente que ‘P logo muito provavelmente Q’, ‘Q logo muito provavelmente R’, ‘R logo muito provavelmente S’, …, até chegarmos ao ‘logo muito provavelmente X’, essa conclusão X pode ser muito improvável dado o ponto de partida. Isto porque a cada passo do argumento há uma diminuição de probabilidade. Além disso, Plantinga salienta que é absurdo atribuir números precisos para as probabilidades em questão ao longo do argumento de Swinburne, pois há vagueza de muitos tipos aí. A conclusão de Plantinga é a de que “k”, i.e. os nossos indícios de fundo (históricos ou de outro tipo), não são suficiente para suportar a crença na ressurreição. Apesar destas críticas, Plantinga considera, ao contrário de Swinburne, que a crença na ressurreição pode ser racional ou justificada mesmo não havendo quaisquer indícios ou evidências proposicionais para essa crença. Mas como pode tal crença na ressurreição ser racional ou justificada na ausência de evidência proposicional? Essa discussão fica para outro momento. Uma boa Páscoa!!!

  • Domingos Faria Avatar

    O livre-arbítrio é compatível com a presciência divina?

    Peter van Inwagen tem um argumento contra o compatibilismo entre o determinismo e o livre-arbítrio. Penso que também se pode construir um argumento similar para mostrar que a presciência divina é incompatível com o livre-arbítrio humano. Considere-se o seguinte:

    Abreviaturas:

    • ‘T’ = ‘um momento de tempo no passado’
    • ‘GK’ = ‘Operador que expressa «Deus infalivelmente acredita que…»’
    • ‘pt’ = ‘uma proposição p que articula um evento num tempo t posterior ao tempo T’
    • ‘□’ = ‘Operador que expressa «É logicamente necessário que»’.
    • ‘N’ = ‘Operador que expressa «Não depende de nós que»’.

    Teses:

    • (i) No passado T, Deus acredita infalivelmente que p será o caso em t = GKTpt
    • (ii) Temos livre arbítrio para fazer p em t = ¬Npt
    • Incompatibilismo entre (i) e (ii) = GKTpt→Npt
    • Compatibilismo entre (i) e (ii) = GKTpt∧¬Npt

    Argumento a favor do incompatibilismo:

    • (1) GKTpt  [premissa-suposição: Deus infalivelmente acredita pt no passado]
    • (2) N(GKTpt)  [premissa: não depende de nós o que Deus infalivelmente acredita no passado]
    • (3) □(GKTpt→pt)  [premissa: definição de infalibilidade]
    • (4) N(GKTpt→pt) [de 3, regra (α) do operador N]
    • (5) Npt [de 2 e 4, regra (β) do operado N]
    • (6) GKTpt→Npt [de 1-5, regra de introdução da condicional]

    Será este um argumento procedente? Quem aceita a compatibilidade entre o livre-arbítrio e a presciência divina não pode aceitar a conclusão (6). Deste modo, para continuar a defender a tese da compatibilidade, quem advoga o compatibilismo entre a presciência divina e o livre-arbítrio terá de rejeitar alguma das seguintes proposições:

    • N(GKTpt)
    • □(GKTpt→pt)
    • A regra (α) é válida
    • A regra (β) é válida

    Mas será alguma dessas vias uma opção realmente viável?

  • Domingos Faria Avatar

    Argumento Modal da Consequência

    O argumento modal da consequência de Peter van Inwagen (1983) tem como objetivo mostrar que o compatibilismo é falso e que o incompatibilismo é verdadeiro.

    Abreviaturas:

    • ‘L’ = ‘conjunção das leis da natureza’.
    • ‘H’ = ‘conjunção das afirmações verdadeiras que descrevem o estado do mundo num tempo anterior à existência dos seres humanos’.
    • ‘P’ = ‘variável proposicional que pode ser substituída por qualquer proposição acerca de uma ação, tal como «levantei o meu braço»’.
    • ‘□’ = ‘é logicamente necessário que’.
    • ‘NP’ = ‘P (é o caso) e ninguém tem, ou alguma vez teve, qualquer escolha acerca se P (é o caso)’, em que P é uma variável proposicional que pode ser substituída por qualquer proposição acerca de uma ação’. [Ou seja, ‘não depende de nós que P’]

    Regras de inferência para o operador ‘N’:

    • Regra (α): □P ∴ NP
    • Regra (β): N(P→Q), NP ∴ NQ

    Teses:

    • Tese do determinismo = □((H∧L)→P)
    • Tese do livre-arbítrio = ¬NP
    • Incompatibilismo = □((H∧L)→P)→NP
    • Compatibilismo = □((H∧L)→P)∧¬NP

    Formulação do argumento modal consequência:<

    • (1) □((H∧L)→P) [premissa-suposição, definição de determinismo]
    • (2) NH [premissa, passado remoto não depende de nós]
    • (3) NL [premissa, as leis da natureza não dependem de nós]
    • (4) ∴ □((H∧L)→P)→NP  [conclusão, tese do incompatibilismo]

    Dedução natural do argumento modal da consequência:

    • (1) □((H∧L)→P) [premissa-suposição, definição de determinismo]
    • (2) NH [premissa, passado remoto não depende de nós]
    • (3) NL [premissa, as leis da natureza não dependem de nós]
    • (4) □(H→(L→P)) [de 1, regra de exportação para a lógica modal]
    • (5) N(H→(L→P)) [de 4, regra (α)]
    • (6) N(L→P) [de 2 e 5, regra (β)]
    • (7) NP [de 3 e 6, regra (β)]
    • (8) □((H∧L)→P)→NP [de 1-7, regra de introdução da condicional]

    Será este um argumento procedente? O compatibilista (determinista moderado) não pode aceitar a conclusão (8), pois isso seria a negação da sua tese. Assim, para continuar a defender a tese do determinismo moderado, o compatibilista terá de rejeitar alguma das seguintes proposições:

    • NH
    • NL
    • A regra (α) é válida
    • A regra (β) é válida

    Mas será alguma dessas vias uma opção realmente viável?

  • Domingos Faria Avatar

    A racionalidade moral da encarnação

    O filósofo Richard Swinburne, no seu livro “Was Jesus God?” (2008) inicia desta forma o seu terceiro capítulo que tem o título “Deus partilhou a nossa natureza humana”:

    É um facto geral óbvio sobre o mundo que os seres humanos não sofrem apenas, mas fazem muito mal. Como é que um Deus amor responderá ao sofrimento e pecado destas criaturas débeis, mas em parte racionais, que ele fez? Argumentarei que a priori seria de esperar que Deus responda ao nosso sofrimento e pecado ao viver ele mesmo uma vida humana. Deus iria viver uma vida humana por intermédio de uma pessoa divina que se torna humana (i.e. ‘tornando-se encarnada’). Argumentarei que Deus iria inevitavelmente viver uma vida humana de forma a partilhar o sofrimento humano; e argumentarei que, muito provavelmente, Deus utilizaria essa vida humana de forma a tornar disponível a remissão dos nossos pecados e para nos ensinar como viver.

    Swinburne para defender estas ideias apresenta um argumento de analogia que pode ser sintetizado desta forma:

    Suponha que o nosso país foi atacado injustamente e que o governo decidiu introduzir um serviço militar obrigatório de modo a organizar um exército para defender o país. As condições de recrutamento são as seguintes: todos os jovens entre os 18 e 30 anos são obrigados a servir no exército, enquanto que os homens mais velhos podem ser voluntário. Além disso, o governo permite que os pais possam vetar o recrutamento dos filhos que tenham entre os 18 e 21 anos (e na realidade tal veto é usado pela maioria dos pais).

    Imagine igualmente que tenho mais de 30 anos e que tenho um filho de 19 anos. Suponha também que recuso vetar o recrutamento do meu filho por causa da independência do nosso país estar em enorme ameaça (ou seja, devido a um bom propósito). Agora vem a parte crucial do argumento: plausivelmente, uma vez que estou a forçar o meu filho a suportar as dificuldades e perigos do serviço militar, eu tenho para ele uma obrigação moral de me voluntariar igualmente no serviço militar.

    Em analogia, parece plausível supor que, dada a quantidade de dor e sofrimento que Deus permite que os seres humanos suportem (devido a um bom propósito – como, por exemplo, haver livre-arbítrio, entre outros…), seria obrigatório Deus partilhar uma vida humana de sofrimentos. Ora, isto seria alcançado por uma pessoa divina que encarnasse como um ser humano e que vivesse uma vida que tenha muito sofrimento. Aliás, parece que uma forma óbvia de como esse Deus encarnado poderia partilhar os piores sofrimentos que os seres humanos suportam seria ele próprio viver uma vida que acabaria com uma morte dolorosa e injusta.

    Portanto, se Deus amor existe e cria um mundo e humanos com sofrimento, então Deus partilha (e tem obrigação moral de partilhar) da vida humana e desse sofrimento. Esta é a condicional que me parece estar presente na conclusão do argumento de Swinburne. Além disso, a inexistência de Deus não tornaria a condicional falsa e um ateu pode bem aceitar este argumento.

    A condicional só seria falsa caso exista um mundo possível em que (1) Deus amor existe e cria um mundo e humanos com sofrimento e (2) Deus não partilha (nem tem obrigação moral de partilhar) da vida humana e desse sofrimento. E isto parece ser algo que tanto judeus como muçulmanos aceitam (apesar dos judeus pensarem que Deus ainda não partilhou da vida humana, alguns pensam que no futuro vai partilhar). Agora seria preciso examinar que razões têm as outras religiões para negarem a condicional. Pelo menos, Swinburne apresenta três razões para se pensar que a condicional é verdadeira; a primeira foi o argumento que agora expus aqui, a segunda tem a ver com a remissão dos pecados e a terceira com um modelo moral de vida. Serão estes argumentos procedentes?

  • Domingos Faria Avatar

    Demonstração lógica da existência do Pai Natal

    Afinal as crianças têm razão: o Pai Natal existe. Aqui está a prova lógica. Para começarmos a provar logicamente a existência do Pai Natal, considere-se a seguinte frase:

    (S) Se a frase S é verdadeira, então o Pai Natal existe.

    Ora, pode-se reescrever (S) da seguinte forma, em que S abrevia ‘a frase S é verdadeira’ e N abrevia ‘o Pai Natal existe’:

    (S) S → N

    Do mesmo modo, dizer que a frase (S) é verdadeira é equivalente a dizer-se que se a frase S é verdadeira, então o Pai natal existe. Por isso:

    S ↔︎ (S → N)

    A partir desta equivalência [designada como frase-V] podemos fazer a seguinte demonstração da existência do Pai Natal:

    1. S ↔︎ (S → N)                 [Frase-V para (S)]
    2. S → (S → N)                    [Simplificação, de 1]
    3. (S → N) → S                    [Simplificação, de 1]
    4. S → N                    [Contração, de 2]
    5. S                            [Modus Ponens, de 3 e 4]
    6. N                            [Modus Ponens, de 4 e 5]

    Portanto, o Pai Natal existe.

    No entanto parece haver algo de errado com isto; pois com esta demonstração conseguimos provar seja o que for que quisermos. Basta substituir Pai Natal por outra coisa qualquer para assim a provarmos. Deste modo, conseguimos demonstrar a existência de Deus, mas também conseguimos provar que a lua é feita de queijo verde, etc, tal como ilustra Arthur Prior (1955). De igual forma conseguimos provar o contrário: que o Pai Natal não existe, que Deus não existe, que a lua não é feita de queijo, tendo assim uma demonstração que leva a contradições. Este tipo de paradoxo foi inventado por Haskell Curry (1942) e é conhecido como o “paradoxo de Curry”.

    O que haverá então de errado nesta prova da existência do Pai Natal? Talvez se possa negar a regra da contração, tal como sugere Hartry Field, e assim não se pode derivar o passo (4). No entanto, pode-se recorrer a uma derivação alternativa que não utilize essa regra para chegar à mesma conclusão:

    (1’) S ↔︎ (S → N)                 [Frase-V para (S)]

    (2’) | S                                 [suposição, para prova condicional]

    (3’) | S → N                        [Modus Ponens, de 1’ e 2’]

    (4’) | N                                [Modus Ponens, de 2’ e 3’]

    (5’) S → N                    [prova condicional, de 2’-4’]

    (6’) S                        [Modus Ponens, de 1’ e 5’]

    (7’) N                        [Modus Ponens, de 5’ e 6’]

    Perante isto talvez se possa negar a regra do Modus Ponens, tal como Graham Priest propõe na sua lógica paraconsistente, e assim não se pode derivar os passos (6’) e (7’), nem o (3’) e (4’). Mas não será isso um custo demasiado alto? Então como resolver este problema???

    Para saber mais sobre este paradoxo pode clicar aqui. Com este paradoxo, desejo um Feliz Natal a todos os leitores deste blog 😉