Falácia Modal, Validade, e Fatalismo

A falácia modal é um tipo de falácia que ocorre na lógica modal; mais concretamente é a falácia de confundir o âmbito do operador da necessidade. Ou seja, é o erro de tratar condicionais modais como se a modalidade se aplicasse apenas ao consequente da condicional quando ela se aplica de forma mais adequada a toda a condicional. Por exemplo, considere-se as seguintes proposições:

  1. Necessariamente, se o Henrique está em Guimarães, então está em Guimarães.
  2. Se o Henrique está em Guimarães, então está necessariamente em Guimarães.

A proposição 1 é uma verdade lógica trivial, mas a proposição 2 é falsa uma vez que mesmo que o Henrique esteja em Guimarães poderia estar noutro lugar (por exemplo, em Lisboa). Assim, se colocarmos o operador da necessidade apenas no consequente da condicional estamos a cometer uma falácia modal. Este tipo de falácia ocorre em muitos manuais escolares de filosofia, por exemplo, quando apresentam a noção de validade dedutiva. Alguns desses manuais afirmam que num argumento válido “se as premissas são verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira.” De forma semelhante também dizem que “no caso dos argumentos dedutivos válidos (…) se as premissas são todas verdadeiras, é logicamente impossível que a conclusão seja falsa.” Ou seja, o que estas definições dizem é que a conclusão de um argumento válido é necessariamente verdadeira (ou, de forma equivalente, que a conclusão de um argumento válido é impossível de ser falsa). Mas isso é completamente errado; pois, nesse caso, de forma absurda, deixaria de haver proposições contingentes nas conclusões dos argumentos válidos. Considere-se o seguinte argumento:

“O Henrique está em Lisboa ou está em Guimarães. Mas ele não está em Lisboa. Logo está em Guimarães.”

Mesmo partindo da suposição de que as premissas são verdadeiras, a conclusão não é necessariamente verdadeira nem a conclusão é impossível de ser falsa. Isto porque, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, é contingentemente verdadeiro que o Henrique está em Guimarães. Pelo contrário, o que é necessário é que se aquelas premissas forem verdadeiras, a conclusão também será verdadeira. Isto é, a necessidade deve aplicar-se ao âmbito de toda a condicional e não ao consequente. Deste modo, para não se cometer a falácia modal, uma boa definição de validade dedutiva afirma que num argumento válido:

Necessariamente, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também é verdadeira.

A falácia modal surge também em alguns argumentos filosóficos interessantes, como no caso de algumas versões do argumento sobre o fatalismo teológico. Para se formular esse argumento, a favor da incompatibilidade entre presciência divina e livre-arbítrio humano, seja S qualquer pessoa e ϕ qualquer ação. O argumento para essa incompatibilidade é o seguinte:

  1. Se Deus sabe que S realizará ϕ, então S deve necessariamente fazer ϕ.
  2. Se S deve necessariamente fazer ϕ, então S não realizará ϕ livremente.
  3. Logo, se Deus sabe que S realizará ϕ, então S não realizará ϕ livremente.

Uma vez que S e ϕ são qualquer pessoa e ação, este argumento pode mostrar que nenhuma ação humana é livre se Deus sabe de antemão tais ações, ou seja, se Deus for omnisciente de proposições sobre o futuro. Mas será esse um bom argumento? Uma boa forma de criticar este argumento é dizer que ele comete a falácia modal, nomeadamente na premissa 1. Por um lado, a forma apropriada de entender a premissa 1, para esta ser verdadeira, é com o operador de necessidade aplicado ao âmbito de toda a condicional e não ao consequente. Nesse caso, a premissa 1 seria claramente verdadeira, dado que necessariamente qualquer coisa que se sabe ser verdade é verdadeira. Contudo, com essa leitura o argumento seria inválido (pois, nesse caso já não teríamos um silogismo hipotético). Por outro lado, se o âmbito do operador da necessidade se aplicar apenas ao consequente, temos um argumento válido. O problema nesse caso é que a premissa 1 será falsa, pois pelo facto de Deus saber que uma proposição é verdadeira, daí não se segue que a proposição seja uma verdade necessária (ou seja, assumindo que Deus existe, há muitas verdades contingentes que Deus sabe; assim, Deus pode saber uma proposição sem ser necessária). Portanto, de uma forma ou de outra, o argumento não é bom; mas poderia parecer como bom precisamente por cometer esta falácia modal.

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