Paradoxo da Encarnação

O cristianismo é a religião dos paradoxos. Veja-se a encarnação:

  1. Tudo o que é Deus é omnipotente.
  2. Nenhum humano é omnipotente.
  3. Jesus é Deus e humano.

Em lógica de predicados:

  1. ∀x(Dx→Ox)
  2. ¬∃x(Hx∧Ox)
  3. (Dj∧Hj)

E logicamente deriva-se facilmente uma contradição, tal como se pode constatar:

  1. Dj                                    [3,E∧]
  2. Hj                                    [3,E∧]
  3. (Dj→Oj)                    [1,E∀]
  4. Oj                                    [4,6,MP]
  5. ∀x¬(Hx∧Ox)                   [2,CQ]
  6. ¬(Hj∧Oj)                    [8,E∀]
  7. (¬Hj∨¬Oj)                    [9,DM]
  8. ¬Oj                                 [5,10,SD]
  9. (Oj∧¬Oj)                    [7,11,I∧]

Dado que temos uma contradição em 12, será que isto significa que a doutrina da encarnação é falsa e, por conseguinte, o cristianismo não pode ser verdadeiro?

O modelo composicional ou mereológico de Tomás de Aquino (que tem como defensores atuais Eleonore Stump e Brian Leftow) tem sido influente como resposta a este paradoxo da encarnação. Neste modelo defende-se que Jesus Cristo é uma entidade composta de propriedades divinas (possuídas pela parte divina) e propriedades humanas (possuídas pela parte humana). Ou seja, tal como não há contradição ao dizer-se p.e. que uma maça é vermelha enquanto casca e não é vermelha enquanto parte interior, também não há contradição ao dizer que enquanto natureza divina Jesus Cristo é omnipotente e enquanto natureza humana ele não é omnipotente.

Contudo, este modelo do Tomás de Aquino é implausível por vários motivos. Em primeiro lugar, mesmo se concedermos que em Jesus Cristo a parte divina é omnipotente e a parte humana não é omnipotente, ainda surge a questão: mas afinal o sujeito de predicação, o Deus composicional encarnado, é ou não é omnipotente? E com isso o puzzle volta ao início. Em segundo lugar, de acordo com a ortodoxia, defende-se que a pessoa que é Filho de Deus é a mesma pessoa que é Filho da Virgem Maria. Mas, se seguirmos o modelo de Tomás de Aquino não se pode afirmar isso; pois, o Filho de Deus é, neste modelo composicional de Aquino, apenas uma parte do todo que é o Deus encarnado (e, dessa forma, parece facilmente cair em nestorianismo). Em suma, o modelo de Tomás de Aquino não consegue explicar que o Filho de Deus é a mesma pessoa que o Filho da Virgem Maria, mas não a mesma substância. Mas, consegue-se uma boa explicação disso, não com o modelo composicional de Aquino, mas sim com a lógica da identidade relativa de Peter Geach e de Peter van Inwagen. O problema nesse caso é que se fica sem a Lei de Leibniz. Nenhuma solução é isenta de custos.

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