2021.07.28 | Epistemologia |

Um puzzle sobre a omnisciência divina

Para além da omnipotência, no teísmo defende-se a omnisciência divina (cf. Rom 11:33; Job 12:13; Heb 4:13). Mas em que consiste esse atributo? De forma simples, a omnisciência consiste em ter todo o conhecimento proposicional. Mas como apenas proposições verdadeiras podem ser conhecimento, assim todo o conhecimento é apenas conhecimento de todas as proposições verdadeiras. Deste modo, temos a seguinte definição de omnisciência:

(D1) Um ser \(S\) é omnisciente =df para qualquer proposição \(p\), se \(p\) é verdadeira então \(S\) sabe que \(p\).

Mas será que um ser omnisciente pode saber como é não conhecer que \(p\)? Por um lado, se a resposta é “SIM”, então há uma proposição \(p\) que um ser omnisciente não conhece e, assim, tal ser não é omnisciente. Se a resposta é “NÃO”, então há alguma coisa que esse ser não pode saber (i.e. “não pode saber como é não conhecer que \(p\)”) e, assim, tal ser não é omnisciente. Assim, a omnisciência é impossível de instanciar e, por isso, Deus não pode ser omnisciente. O puzzle pode ser resumido desta forma:

  1. Ou Deus pode saber como é não conhecer que \(p\) ou Deus não pode saber como é não conhecer que \(p\).
  2. Se Deus pode saber como é não conhecer que \(p\), então Deus não é omnisciente (uma vez que para saber como é não conhecer que \(p\), terá de haver alguma proposição \(p\) que Deus não conhece).
  3. Se Deus não pode saber como é não conhecer que \(p\), então Deus não é omnisciente (uma vez que há alguma proposição \(p\) que Deus não pode saber).
  4. Logo, de uma forma ou de outra, Deus não é omnisciente.

Podemos instanciar este raciocínio a casos particulares como, por exemplo, aplicado ao caso de poder saber como é ser finito. Neste caso, o puzzle que temos é o seguinte:

  1. Ou Deus pode saber como é ser finito ou Deus não pode saber como é ser finito.
  2. Se Deus pode saber como é ser finito, então Deus não é omnisciente (uma vez que para saber como é ser finito, Deus terá de ser finito).
  3. Se Deus não pode saber como é ser finito, então Deus não é omnisciente (uma vez que há algo que Deus não pode saber, nomeadamente, como é ser finito).
  4. Logo, de uma forma ou de outra, Deus não é omnisciente.

Será este um bom argumento? Como possível objeção pode-se alegar que “saber como é…” não é conhecimento proposicional, sendo antes um conhecimento de habilidades ou saber-fazer. Ora, uma vez que a omnisciência foi caraterizada em termos de conhecimento proposicional, não há problema em dizer que um ser omnisciente tem ainda máximo conhecimento proposicional (ainda que não tenha tal conhecimento de habilidades). Contudo, essa objeção pode ser criticada ao argumentar-se que um ser omnisciente presumivelmente deve ter conhecimento perfeito de todos os tipos; pois, restringir a omnisciência ao conhecimento proposicional parece arbitrário. Uma outra crítica relevante a essa objeção procura salientar que o “saber como é…” pode ser expresso em termos de conhecimento proposicional, tal como argumentado por Stanley e Williamson (2001); dessa forma, o puzzle original volta a constituir um desafio. Será então o puzzle da omnisciência um bom desafio para o teísta?