2015.04.04 | Metafísica |

A probabilidade da ressurreição de Jesus é de 97%

Na Páscoa os cristãos celebram a ressurreição de Jesus. Como os filósofos costumam examinar todas as crenças que temos, esta crença da ressurreição não fica de fora do âmbito de investigação. Por exemplo, já analisei aqui um argumento de Peter van Inwagen que procura mostrar que a ressurreição é metafisicamente possível. Agora pretendo analisar um outro argumento que visa mostrar não só que a ressurreição é possível como também é atual, tendo um grau muito elevado de probabilidade. Richard Swinburne no livro “The Resurrection of God Incarnate” (2003) tenta mostrar que a probabilidade da ressurreição de Jesus ronda os 97%. Mas como é que ele chega a essa percentagem?

Swinburne chega a esse resultado com a utilização do teorema de Bayes para o cálculo de probabilidades. Aplicado à epistemologia, o bayesianismo é uma teoria da justificação de acordo com a qual uma crença é racionalmente sustentada na medida em que (i) é coerente em conformidade com o cálculo de probabilidades do teorema de Bayes e (ii) é a crença mais provável entre aquelas que estão a ser consideradas ou, pelo menos, tem probabilidade igual ou superior a 50%. A formulação principal do teorema de Bayes é a seguinte, sendo “h” a hipótese sob avaliação, “e” o indício ou dado de acordo com o qual a hipótese será julgada, “k” o conhecimento de fundo (ou seja, o que se sabe com exceção de “e” e “h”), e “P(…|___)” a probabilidade de … dado ___. Assim:

                              P(e|h&k)
P(h|e&k) = ——————– x P(h|k)
                               P(e|k)

Na epistemologia da crença religiosa Swinburne recorre bastante a este teorema para argumentar indutivamente a favor da existência de Deus, mas também aplica-o a crenças bastante mais específicas como é o caso da ressurreição de Jesus. Aqui não tenho tempo nem espaço para analisar com pormenor o argumento de Swinburne; por isso apenas pretendo fazer um esboço do esqueleto geral do argumento.

O objetivo de Swinburne é argumentar que a probabilidade da hipótese de que Jesus é Deus encarnado e de que ressuscitou é muito alta, dado os nossos indícios de fundo e os indícios específicos históricos de que Jesus satisfaz tanto os requisitos prévios de ser Deus encarnado (ele viveu uma vida perfeita, ensinou a redenção, fundou uma igreja, etc) como os requisitos posteriores de ser Deus encarnado (os seus seguidores encontraram o seu túmulo vazio, viram-no ressuscitar, mudaram o domingo para o seu dia de adoração, proclamam a ressurreição como significante para a redenção da humanidade, etc). Em suma, argumenta que os indícios disponíveis tornam altamente provável a ressurreição de Jesus. Para o seu argumento recorre às seguintes abreviaturas:

Tendo em conta essas abreviaturas, o que queremos saber é a P(h|e&k), ou seja, a probabilidade de que Jesus ressuscitou, dado os indícios tanto da teologia natural como da história pormenorizada de Jesus e de outros profetas. Para averiguar isso, no seu argumento, Swinburne começa por questionar qual a probabilidade do teísmo, de que há um Deus do tipo tradicional, dado os argumentos da teologia natural. Ou seja, qual é a P(t|k)? Swinburne atribui um valor modesto de pelo menos 0,5. Deste modo:

P(t|k) ≥ 0,5

O passo seguinte consiste em questionar qual é a probabilidade de que, se Deus existe, ele encarnaria. Abreviando, qual é a P(c|t&k)? Aqui também se atribui um valor de 0,5. Em relação a essa probabilidade, Swinburne oferece três argumentos a favor da encarnação de Deus, nomeadamente Deus teria motivos para encarnar (i) para fornecer um meio de redenção, (ii) para se identificar com os nossos sofrimentos [já analisei este argumento], e (iii) para nos mostrar como viver e encorajar-nos a agir desse modo. Assim:

P(c|t&k) = 0,5

Mas qual é a probabilidade de Deus se tornar encarnado dado apenas os indícios da teologia natural? Ou seja, qual é a P(c|k)? De acordo com Swinburne,

P(c|k) = P(c|t&k) x P(t|k) = 0,5 x 0,5 = 0,25

Ora, se a P(c|k) é de 0,25, a P(~c|k) é de 0,75, dado que a P(c|k) mais a P(~c|k) é igual a 1. Porém, se c é verdadeiro, isto é, se uma encarnação divina ocorre, qual é a probabilidade de haver indícios f, a conjunção de (f1&f2&f3)? Ou seja, qual é a P(f|c&k)? Ora, o que se esperaria de um Deus encarnado é que vivesse uma vida moralmente perfeita, ensinasse verdades morais profundas, fundasse uma Igreja que ensine a redenção, bem como se esperaria que tal vida culminasse num supermilagre, como o da ressurreição, etc. Mesmo assim, a este respeito, Swinburne atribui um valor muito baixo e modesto de 0,1.

P(f|c&k) = 0,1

Deste modo, a probabilidade de que há um Deus que encarnou e que nos deixa com indícios do tipo f, dado os argumentos da teologia natural, é a seguinte:

P(f&c|k) = P(f|c&k) x P(c|k) = 0,1 x 0,25 = 0,025

Agora, considerando a P(f|k), essa probabilidade é igual à probabilidade de que existe um Deus que encarnou e deixou indícios do tipo f, dado k, mais a probabilidade de que ou Deus não existe ou de que Deus não encarnou, mas que deixou indícios do tipo f, dado k. Mais especificamente:

P(f|k) = [P(f|c&k) x P(c|k)] + [P(f|~c&k) x P(~c|k)]

Tal como vimos anteriormente, já sabemos que o valor do primeiro termo da equação [P(f|c&k) x P(c|k)] é 0,025. Quando ao segundo termo já sabemos que o valor de P(~c|k) é de 0,75. Falta agora averiguar o valor de P(f|~c&k); ou seja, a probabilidade de que se não há encarnação e houver indícios de teologia natural, f ainda assim ocorre. Ora, tal probabilidade parece muito muito pequena, na ordem de 0,001. Portanto,

P(f|k) = 0,025 + 0,75 x 0,001 = 0,02575

Por fim, utilizando o teorema de Bayes (substituindo “c” por “h” e “f” por “e”) obtemos o seguinte:

                 P(f|c&k)                      0,1
P(c|f&k) = ———— x P(c|k) = ———- x 0,25 = 3,8834 x 0,25 = 0,97085
                     P(f|k)                      0,02575

Isto representa a probabilidade sobre o tipo de indícios que temos acerca de Deus se tornar encarnado. Mas como todos os factos ou indícios relevante acerca de Jesus, em “e”, estão incorporados em “f”, podemos dizer que a P(c|e&k) é pelo menos igual à P(c|f&k), especificando-se que o profeta referido em f é Jesus. Assim,

P(c|e&k) = 0,97085

Porém, a probabilidade de c dado e&k será praticamente a mesma que a probabilidade de h dado e&k. Isto porque se Deus encarnou de tal forma que a sua vida precisa culminar num super-milagre e, dado “e”, há apenas um sério candidato para isso (a ressurreição), então deve ter havido uma ressurreição. Assim, para Swinburne, h é verdadeiro se, e só se, c é verdadeiro, o que implica que:

P(h|e&k) = 0,97085

Portanto, a probabilidade da nossa evidência total de que a ressurreição de Jesus ocorreu é algo na ordem de 97%. Ora, de acordo com Swinburne, estes indícios mostram que é racional acreditar na ressurreição de Jesus. Mas o que dizer deste argumento?

Uma primeira forma de criticar o argumento e a sua conclusão pode consistir em disputar alguma das probabilidades atribuídas previamente (mas qual?). Um outro modo interessante de se criticar este argumento foi sugerido por Alvin Plantinga (2000, 2006). Este filósofo acusa o argumento de Swinburne, e outros similares, do «problema da probabilidade decrescente», o que leva a argumentos com uma conclusão muito mais fraca; pois caso se argumente que ‘P logo muito provavelmente Q’, ‘Q logo muito provavelmente R’, ‘R logo muito provavelmente S’, …, até chegarmos ao ‘logo muito provavelmente X’, essa conclusão X pode ser muito improvável dado o ponto de partida. Isto porque a cada passo do argumento há uma diminuição de probabilidade. Além disso, Plantinga salienta que é absurdo atribuir números precisos para as probabilidades em questão ao longo do argumento de Swinburne, pois há vagueza de muitos tipos aí. A conclusão de Plantinga é a de que “k”, i.e. os nossos indícios de fundo (históricos ou de outro tipo), não são suficiente para suportar a crença na ressurreição. Apesar destas críticas, Plantinga considera, ao contrário de Swinburne, que a crença na ressurreição pode ser racional ou justificada mesmo não havendo quaisquer indícios ou evidências proposicionais para essa crença. Mas como pode tal crença na ressurreição ser racional ou justificada na ausência de evidência proposicional? Essa discussão fica para outro momento. Uma boa Páscoa!!!