2021.03.09 | Lógica |

Paradoxo da Pedra

O paradoxo da pedra constitui um dos desafios à omnipotência divina. Começa com uma questão: pode Deus criar uma pedra que ninguém consiga levantar? Qualquer que seja a resposta, a conclusão será que Deus não é omnipotente. De forma mais formal, pode ser apresentado desta forma:

  1. Ou Deus pode ou não pode criar uma pedra que ninguém consiga levantar.
  2. Se Deus pode criar uma pedra que ninguém consiga levantar, então ele não é omnipotente (uma vez que ele não pode levantar a pedra em questão).
  3. Se Deus não pode criar uma pedra que ninguém consiga levantar, então ele não é omnipotente (uma vez que não pode criar a pedra em questão).
  4. Logo, Deus não é omnipotente. [de 1-3]

Este argumento anterior visa sobretudo refutar uma visão irrestrita de omnipotência. Sendo \(F\) uma predicado binário que representa a relação de x fazer/realizar/criar um evento y, pode-se formular desta forma a definição irrestrita de omnipotência (DIO):

\(x\) é omnipotente \(\leftrightarrow \forall y \Diamond Fxy\)

Ou seja, um ser omnipotente \(x\) é tal que, para qualquer evento \(y\), é possível para esse ser \(x\) fazer, realizar, criar o evento \(y\). Por outras palavras, a omnipotência é ter a habilidade de fazer absolutamente qualquer coisa. Mas se (DIO) é a melhor definição de omnipotência, Deus não pode ser omnipotente e, por conseguinte, não há o Deus teísta. Como responder a este desafio?

Este paradoxo da pedra é claramente válido (ver aqui), sendo \(p\) uma variável que representa o evento relevante de fabricação de uma pedra-não-levantável e \(d\) a variável que representa o Deus teísta, o argumento tem a seguinte estrutura lógica:

  1. \(Fdp \lor \neg Fdp\)
  2. \(Fdp \to \neg \forall y \Diamond Fdy\)
  3. \(\neg Fdp \to \neg \forall y \Diamond Fdy\)
  4. \(\therefore \neg \forall y \Diamond Fdy\)

Que resposta dar a este argumento? A resposta tradicional de Tomás de Aquino (na Suma Teológica I, 25, a.3) é a seguinte:

Todos confessam que Deus é omnipotente. Mas parece difícil explicar em que consiste precisamente a sua omnipotência. Pois pode haver uma dúvida sobre o conteúdo preciso da palavra “todo” quando dizemos que Deus pode fazer todas as coisas. Contudo, se consideramos bem, uma vez que o poder diz-se em referência a coisas possíveis, a frase Deus pode fazer todas as coisas é corretamente entendida como significando que Deus pode fazer todas as coisas que são possíveis; e por esta razão Deus diz-se omnipotente.

Como se pode constatar, a resposta tradicional consiste em negar 3. Ou seja, não é exigido que Deus faça o que é logicamente impossível de forma a ser omnipotente. Ao negar-se 3 afirma-se que:

\(\neg Fdp \wedge \forall y \Diamond Fdy\)

Mas nesse caso é preciso redefinir omnipotência, apresentando uma definição restrita de omnipotência (DRO) nestes termos:

\(x\) é omnipotente \(\leftrightarrow (\forall y \Diamond \exists z Fzy \to \Diamond Fxy)\)

Ou seja, um ser omnipotente é capaz de realizar qualquer evento que seja logicamente possível realizar. Mas será (DRO) plausível? Não haverá contraexemplos? Será que podemos encontrar um estado de coisas que seja logicamente possível mas que um ser omnipotente não o possa atualizar?

Para enfrentar o paradoxo da pedra Descartes apresenta uma resposta completamente diferente. Na Carta a Mesland, datada 2 de maio de 1644, Descartes escreve o seguinte:

Quanto à dificuldade de conceber como foi livre e indiferente para Deus fazer com que não fosse verdadeiro que os três ângulos de um triângulo fossem iguais a dois retos ou, em geral, que as contraditórias não possam ser conjuntamente, pode-se obter isso facilmente, considerando que o poder de Deus não pode ter nenhum limite; (…) Deus não pode ter sido determinado a fazer com que fosse verdadeiro que as contraditórias não possam ser conjuntamente e que, por conseguinte, ele podia fazer o contrário.

Esta ideia também é defendida por Descartes na Carta a Arnauld escrita em 29 de julho de 1648:

[O poder divino] envolve contradição no conceito, isto é, que não pode ser concebido por nós. A mim não parece, contudo, que de alguma coisa alguma vez se deva dizer que ela não possa ser feita por Deus; pois, já que toda razão do verdadeiro e do bom depende de sua omnipotência, nem mesmo ouso dizer que Deus não possa fazer com que o monte exista sem o vale ou que um e dois não sejam três; mas digo apenas que ele me atribuiu uma mente tal que não possa ser concebido por mim um monte sem vale ou uma soma de um e dois que não seja três etc, e que tais coisas implicam contradição no meu conceito.

Nestas cartas Descartes parece aceitar que Deus tem prioridade ontológica sobre tudo o resto (inclusive sobre as leis da lógica e matemática que são estabelecidas por ele). Ora, se Deus tem prioridade em relação aos princípios lógicos e não “não pode ter sido determinado” a agir consistentemente pela lei da não-contradição, Deus é capaz de fazer estados de coisas inconsistentes. E se Deus pode fazer estados de coisas inconsistentes, por que não poderia Deus criar e levantar uma pedra que ninguém possa levantar? Assim, Descartes parece desenvolver uma solução paraconsistente e dialeteísta ao paradoxo da pedra, visando negar a premissa 2:

\(Fdp \wedge \forall y \Diamond Fdy\)

Mas será esta resposta plausível? Para mais informações sobre o paradoxo da pedra, clique aqui.