2021.05.23 | Lógica |

Falácia Modal, Validade, e Fatalismo

A falácia modal é um tipo de falácia que ocorre na lógica modal; mais concretamente é a falácia de confundir o âmbito do operador da necessidade. Ou seja, é o erro de tratar condicionais modais como se a modalidade se aplicasse apenas ao consequente da condicional quando ela se aplica de forma mais adequada a toda a condicional. Por exemplo, considere-se as seguintes proposições:

  1. Necessariamente, se o Henrique está em Guimarães, então está em Guimarães.
  2. Se o Henrique está em Guimarães, então está necessariamente em Guimarães.

A proposição 1 é uma verdade lógica trivial, mas a proposição 2 é falsa uma vez que mesmo que o Henrique esteja em Guimarães poderia estar noutro lugar (por exemplo, em Lisboa). Assim, se colocarmos o operador da necessidade apenas no consequente da condicional estamos a cometer uma falácia modal. Este tipo de falácia ocorre em muitos manuais escolares de filosofia, por exemplo, quando apresentam a noção de validade dedutiva. Alguns desses manuais afirmam que num argumento válido “se as premissas são verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira.” De forma semelhante também dizem que “no caso dos argumentos dedutivos válidos (…) se as premissas são todas verdadeiras, é logicamente impossível que a conclusão seja falsa.” Ou seja, o que estas definições dizem é que a conclusão de um argumento válido é necessariamente verdadeira (ou, de forma equivalente, que a conclusão de um argumento válido é impossível de ser falsa). Mas isso é completamente errado; pois, nesse caso, de forma absurda, deixaria de haver proposições contingentes nas conclusões dos argumentos válidos. Considere-se o seguinte argumento:

“O Henrique está em Lisboa ou está em Guimarães. Mas ele não está em Lisboa. Logo está em Guimarães.”

Mesmo partindo da suposição de que as premissas são verdadeiras, a conclusão não é necessariamente verdadeira nem a conclusão é impossível de ser falsa. Isto porque, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, é contingentemente verdadeiro que o Henrique está em Guimarães. Pelo contrário, o que é necessário é que se aquelas premissas forem verdadeiras, a conclusão também será verdadeira. Isto é, a necessidade deve aplicar-se ao âmbito de toda a condicional e não ao consequente. Deste modo, para não se cometer a falácia modal, uma boa definição de validade dedutiva afirma que num argumento válido:

Necessariamente, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também é verdadeira.

A falácia modal surge também em alguns argumentos filosóficos interessantes, como no caso de algumas versões do argumento sobre o fatalismo teológico. Para se formular esse argumento, a favor da incompatibilidade entre presciência divina e livre-arbítrio humano, seja \(S\) qualquer pessoa e \(\phi\) qualquer ação. O argumento para essa incompatibilidade é o seguinte:

  1. Se Deus sabe que \(S\) realizará \(\phi\), então \(S\) deve necessariamente fazer \(\phi\).
  2. Se \(S\) deve necessariamente fazer \(\phi\), então \(S\) não realizará \(\phi\) livremente.
  3. Logo, se Deus sabe que \(S\) realizará \(\phi\), então \(S\) não realizará \(\phi\) livremente.

Uma vez que \(S\) e \(\phi\) são qualquer pessoa e ação, este argumento pode mostrar que nenhuma ação humana é livre se Deus sabe de antemão tais ações, ou seja, se Deus for omnisciente de proposições sobre o futuro. Mas será esse um bom argumento? Uma boa forma de criticar este argumento é dizer que ele comete a falácia modal, nomeadamente na premissa 1. Por um lado, a forma apropriada de entender a premissa 1, para esta ser verdadeira, é com o operador de necessidade aplicado ao âmbito de toda a condicional e não ao consequente. Nesse caso, a premissa 1 seria claramente verdadeira, dado que necessariamente qualquer coisa que se sabe ser verdade é verdadeira. Contudo, com essa leitura o argumento seria inválido (pois, nesse caso já não teríamos um silogismo hipotético). Por outro lado, se o âmbito do operador da necessidade se aplicar apenas ao consequente, temos um argumento válido. O problema nesse caso é que a premissa 1 será falsa, pois pelo facto de Deus saber que uma proposição é verdadeira, daí não se segue que a proposição seja uma verdade necessária (ou seja, assumindo que Deus existe, há muitas verdades contingentes que Deus sabe; assim, Deus pode saber uma proposição sem ser necessária). Portanto, de uma forma ou de outra, o argumento não é bom; mas poderia parecer como bom precisamente por cometer esta falácia modal.