2020.03.09 | Metafísica |

Argumento teleológico de Tomás de Aquino

Tomás de Aquino na Suma Teológica (Questão 2, Artigo 3) apresenta a seguinte versão do argumento teleológico a favor da existência de Deus:

“A quinta via é tomada da governação das coisas. De facto, vemos que algumas coisas, que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, operam por causa de um fim, o que é manifesto porque sempre ou com maior frequência operam do mesmo modo, para atingirem aquilo que é óptimo. Donde, é patente que não é por acaso, mas por intenção, que atingem o fim. As coisas, porém, que não possuem conhecimento, não tendem para um fim a não ser dirigidas por algum cognoscente e inteligente, assim como a seta pelo lançador de setas. Logo, existe algo inteligente, pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas para um fim: e isso, dizemos que é Deus”.

A estrutura central do argumento de Tomás de Aquino é capturada fielmente da seguinte forma:

  1. Alguns seres não são inteligentes mas atingem aquilo que é óptimo. (Por exemplo, as laranjeiras não têm inteligência, mas produzem laranjas).
  2. Todo o ser que atinge aquilo que é óptimo atinge o seu fim.
  3. Todo o ser não inteligente que atinge o seu fim é dirigido por algum ser inteligente.
  4. Logo, existe um ser inteligente que dirige todo o ser não inteligente ao seu fim.

Será este um bom argumento? Para analisar a sua validade, podemos utilizar as seguintes abreviaturas para fazermos a formalização lógica do argumento:

Com base nesse dicionário, a formalização do argumento teleológico de Tomás de Aquino é a seguinte:

  1. \(\exists x (\neg Ix \wedge Ox)\)
  2. \(\forall x (Ox \to Fx)\)
  3. \(\forall x ((\neg Ix \wedge Fx) \to \exists y(Dyx \wedge Iy))\)
  4. \(\therefore \exists y(Iy \wedge \forall x (\neg Ix \wedge Dyx))\)

Contudo, este argumento é inválido. Com base nas premissas apresentadas por Tomás de Aquino não se pode validamente concluir 4 (ver aqui a prova de invalidade); nomeadamente, o argumento é inválido porque comete a falácia da inversão dos quantificadores (seria como partir da premissa “todas as pessoas têm uma mãe” para concluir “há uma mãe de todas as pessoas”). É por causa disso que o padre dominicano e lógico polaco Józef Bocheński, membro do Círculo de Cracóvia e do neotomismo analítico, assinalou no artigo The Five Ways que dá a impressão que a quinta via de Tomás de Aquino foi escrita muito apressadamente e que a falha lógica é totalmente flagrante. Esta falha é também notada pelo Anthony Kenny. Para o argumento ser válido é preciso modificar a conclusão. Assim, a conclusão deve ser a seguinte:

Ou em linguagem lógica:

Neste caso o argumento já seria válido (ver aqui a prova de validade). O problema é que neste caso não se consegue mostrar que há um ser inteligente, Deus, que dirige todas as coisas naturais não inteligentes ao seu fim; mas apenas que existe pelo menos algum designer inteligente que dirige alguma coisa natural ao seu fim. Mas isso é compatível com uma pluralidade de designers inteligentes e, assim, não se mostra que Deus existe (tal como é tradicionalmente concebido).